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Livro "Geração 90" aposta em 17 contistas como os "melhores"da última década
DA REPORTAGEM LOCAL
O título, um tanto pomposo,
não deixa dúvidas: "Geração 90:
Manuscritos de Computador - Os
Melhores Contistas Brasileiros
Surgidos no Final do Século 20".
Além da ambição de qualificar a
produção contemporânea entre a
narrativa curta -"pegar o melhor mesmo"-, o organizador
do livro, Nelson de Oliveira, se debruçou sobre a tentativa de achar
um "cercado geracional".
Ainda é cedo para dizer se encontrou, mas, certamente, chegou
a um retrato de um possível autor-paradigma: homem, heterossexual, branco, urbano, de classe
média.
O resultado chega às livrarias
em agosto e se soma à onda de antologias que desde o ano passado
embala o mercado. Traz, ainda,
um diferencial: todos os 17 autores, os tais "melhores" do título,
entregaram textos inéditos para
publicação, no lugar de terem
obras selecionadas entre as que já
publicaram.
Mas não seria, no frigir dos
ovos, pretensão demais fazer um
juízo tão restritivo? "Até é. Mas
nesse tipo de projeto você tem de
arriscar 100%. Ou é melhor não
fazer", assume Oliveira, ele próprio prosador surgido na última
década, que renunciou a ver seu
nome incluído entre os "melhores" (veja lista ao lado). "Preferia
que tivesse sido feita por um crítico, que tivesse me incluído", alfineta o escritor.
Seja como for, o organizador
travou contato com o trabalho de
cerca de 200 contistas que estrearam nos anos 90. Depurou 50 de
"alto nível" e fechou nos polêmicos 17. "Pode surgir o 18º, mas
acho difícil fazer uma antologia
que não passe por esses nomes",
instiga.
Dessa metodologia, foi possível
obter o rascunho de um perfil: o
autor brasileiro de ficção breve é
no masculino mesmo e europeizado; vive nas cidades grandes,
viu muita TV na infância.
Apenas uma mulher, a gaúcha
Cíntia Moscovich, se firmou no
conjunto. Não há, como conclui
Oliveira na apresentação do livro,
espaço para "os que são mantidos
fora do centro". "Não houve, por
exemplo, um João Silvério Trevisan, como houve nos anos 70,
com uma prosa notadamente homossexual", afirma.
Tampouco negros, índios, loucos, pobres, como se conclui ao
ler a curta biografia de cada autor.
Regina Dalcastagnè, professora
de literatura brasileira da UnB
(Universidade de Brasília), onde
coordena um grupo de estudos
sobre a produção brasileira contemporânea, concorda com as limitações de perfil dos autores e
vai mais longe ao apontar certa
homogeneização nas referências
culturais.
"Em termos gerais, a influência
maior do conto brasileiro hoje
não é de qualquer autor brasileiro, mas da indústria cultural norte-americana. Por exemplo, do cinema produzido por Hollywood", diz a acadêmica, que tem
comentado o assunto em ensaios
para revistas especializadas.
Nelson de Oliveira aponta, mais
que o cinema, a TV como um
ponto de passagem "obrigatório"
entre vários autores: "A minha
geração é a primeira que passou a
infância assistindo à televisão.
Nosso imaginário, para o bem ou
para o mal, foi mexido pela teledramaturgia".
O passo seguinte à TV leva ao
"computador" que empresta
pompa ao título. "Não é o traço
que define a qualidade das obras.
Mas é uma ferramenta importante que ajuda a determinar o produto", diz Oliveira, que enxerga
nas facilidades de edição, como
colar e apagar, e composição para
impressão os principais aliados
do escritor no computador.
No negativo dessas conclusões,
é também revelador notar, pelas
escolhas da antologia, o que não
aconteceu nos anos 90. "Não surgiu a prosa experimental, não há
um "Catatau'", diz Oliveira, lembrando o romance de Paulo Leminski, marco do gênero no país.
"É como se, depois da grande
interrupção que o conto teve na
década de 80, que foi a década do
romance como a tendência editorial mais forte no Brasil, todo o
trabalho tivesse de ser refeito. Daí
a falta de ousadia na forma entre
esses autores da retomada do
conto", emenda Dalcastagnè.
A respeito da "retomada", Oliveira ensaia comparar, na sua
apresentação ao volume, o atual
momento com aquele vivido nos
anos 70, quando houve um
"boom" do conto, com autores
como Rubem Fonseca, Sérgio
Sant'anna e Dalton Trevisan.
Essa comparação, contudo, deve ser minimizada. "Havia toda
uma estrutura que não existe
mais: vários concursos literários e
revistas vendidas em banca dedicadas só ao conto. Hoje parece
que a literatura interessa a um público mais elitizado", lembra Dalcastagné. "São pesos diferentes
que devem ser usados para momentos econômicos diferentes. O
livro se tornou menos acessível",
contemporiza Oliveira.
Convidado a escrever a orelha
do livro, o crítico literário João
Alexandre Barbosa aceitou por
dizer ter ficado impressionado
com o que leu. Contudo seus mais
de 40 anos de atividade o levam a
apontar algumas ressalvas: "De
modo geral há uma atividade
grande. É complicado dizer que
esses 17 autores são "os melhores"
ou que haja "uma geração 90"
-naturalmente eles estão unidos
pelo tempo. Creio que o momento da prosa, e sobretudo da prosa
curta, é muito intenso no Brasil".
Quanto às conclusões finais,
Barbosa lembra que "tratando literatura em termos muito gerais,
o juízo sai bastante precário". E
adverte: "Ainda é muito cedo para comparar esses escritores com
autores que já fizeram uma obra".
(RODRIGO MOURA)
GERAÇÃO 90: MANUSCRITOS DE
COMPUTADOR - OS MELHORES
CONTISTAS BRASILEIROS SURGIDOS
NO FINAL DO SÉCULO 20 - Antologia de
17 autores. Organização: Nelson de
Oliveira. Editora: Boitempo (av. Pompéia,
1.991, SP, tel. 0/ xx/11/3865-6947). Preço
indefinido. 264 págs.
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