São Paulo, sábado, 28 de julho de 2001

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Livro "Geração 90" aposta em 17 contistas como os "melhores"da última década

DA REPORTAGEM LOCAL

O título, um tanto pomposo, não deixa dúvidas: "Geração 90: Manuscritos de Computador - Os Melhores Contistas Brasileiros Surgidos no Final do Século 20".
Além da ambição de qualificar a produção contemporânea entre a narrativa curta -"pegar o melhor mesmo"-, o organizador do livro, Nelson de Oliveira, se debruçou sobre a tentativa de achar um "cercado geracional".
Ainda é cedo para dizer se encontrou, mas, certamente, chegou a um retrato de um possível autor-paradigma: homem, heterossexual, branco, urbano, de classe média.
O resultado chega às livrarias em agosto e se soma à onda de antologias que desde o ano passado embala o mercado. Traz, ainda, um diferencial: todos os 17 autores, os tais "melhores" do título, entregaram textos inéditos para publicação, no lugar de terem obras selecionadas entre as que já publicaram.
Mas não seria, no frigir dos ovos, pretensão demais fazer um juízo tão restritivo? "Até é. Mas nesse tipo de projeto você tem de arriscar 100%. Ou é melhor não fazer", assume Oliveira, ele próprio prosador surgido na última década, que renunciou a ver seu nome incluído entre os "melhores" (veja lista ao lado). "Preferia que tivesse sido feita por um crítico, que tivesse me incluído", alfineta o escritor.
Seja como for, o organizador travou contato com o trabalho de cerca de 200 contistas que estrearam nos anos 90. Depurou 50 de "alto nível" e fechou nos polêmicos 17. "Pode surgir o 18º, mas acho difícil fazer uma antologia que não passe por esses nomes", instiga.
Dessa metodologia, foi possível obter o rascunho de um perfil: o autor brasileiro de ficção breve é no masculino mesmo e europeizado; vive nas cidades grandes, viu muita TV na infância.
Apenas uma mulher, a gaúcha Cíntia Moscovich, se firmou no conjunto. Não há, como conclui Oliveira na apresentação do livro, espaço para "os que são mantidos fora do centro". "Não houve, por exemplo, um João Silvério Trevisan, como houve nos anos 70, com uma prosa notadamente homossexual", afirma.
Tampouco negros, índios, loucos, pobres, como se conclui ao ler a curta biografia de cada autor.
Regina Dalcastagnè, professora de literatura brasileira da UnB (Universidade de Brasília), onde coordena um grupo de estudos sobre a produção brasileira contemporânea, concorda com as limitações de perfil dos autores e vai mais longe ao apontar certa homogeneização nas referências culturais.
"Em termos gerais, a influência maior do conto brasileiro hoje não é de qualquer autor brasileiro, mas da indústria cultural norte-americana. Por exemplo, do cinema produzido por Hollywood", diz a acadêmica, que tem comentado o assunto em ensaios para revistas especializadas.
Nelson de Oliveira aponta, mais que o cinema, a TV como um ponto de passagem "obrigatório" entre vários autores: "A minha geração é a primeira que passou a infância assistindo à televisão. Nosso imaginário, para o bem ou para o mal, foi mexido pela teledramaturgia".
O passo seguinte à TV leva ao "computador" que empresta pompa ao título. "Não é o traço que define a qualidade das obras. Mas é uma ferramenta importante que ajuda a determinar o produto", diz Oliveira, que enxerga nas facilidades de edição, como colar e apagar, e composição para impressão os principais aliados do escritor no computador.
No negativo dessas conclusões, é também revelador notar, pelas escolhas da antologia, o que não aconteceu nos anos 90. "Não surgiu a prosa experimental, não há um "Catatau'", diz Oliveira, lembrando o romance de Paulo Leminski, marco do gênero no país.
"É como se, depois da grande interrupção que o conto teve na década de 80, que foi a década do romance como a tendência editorial mais forte no Brasil, todo o trabalho tivesse de ser refeito. Daí a falta de ousadia na forma entre esses autores da retomada do conto", emenda Dalcastagnè.
A respeito da "retomada", Oliveira ensaia comparar, na sua apresentação ao volume, o atual momento com aquele vivido nos anos 70, quando houve um "boom" do conto, com autores como Rubem Fonseca, Sérgio Sant'anna e Dalton Trevisan.
Essa comparação, contudo, deve ser minimizada. "Havia toda uma estrutura que não existe mais: vários concursos literários e revistas vendidas em banca dedicadas só ao conto. Hoje parece que a literatura interessa a um público mais elitizado", lembra Dalcastagné. "São pesos diferentes que devem ser usados para momentos econômicos diferentes. O livro se tornou menos acessível", contemporiza Oliveira.
Convidado a escrever a orelha do livro, o crítico literário João Alexandre Barbosa aceitou por dizer ter ficado impressionado com o que leu. Contudo seus mais de 40 anos de atividade o levam a apontar algumas ressalvas: "De modo geral há uma atividade grande. É complicado dizer que esses 17 autores são "os melhores" ou que haja "uma geração 90" -naturalmente eles estão unidos pelo tempo. Creio que o momento da prosa, e sobretudo da prosa curta, é muito intenso no Brasil".
Quanto às conclusões finais, Barbosa lembra que "tratando literatura em termos muito gerais, o juízo sai bastante precário". E adverte: "Ainda é muito cedo para comparar esses escritores com autores que já fizeram uma obra".
(RODRIGO MOURA)


GERAÇÃO 90: MANUSCRITOS DE COMPUTADOR - OS MELHORES CONTISTAS BRASILEIROS SURGIDOS NO FINAL DO SÉCULO 20 - Antologia de 17 autores. Organização: Nelson de Oliveira. Editora: Boitempo (av. Pompéia, 1.991, SP, tel. 0/ xx/11/3865-6947). Preço indefinido. 264 págs.



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