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DRAUZIO VARELLA
A pílula do homem
Nada assusta tanto um
homem quanto a fatalidade
da impotência. O medo de falhar
no momento crucial paira sobre
nossas cabeças como espada de
Dâmocles, da primeira à última
relação sexual que manteremos
na vida.
Para haver ereção, é preciso ativar neurônios em várias estações
cerebrais. Cada estação controla
uma função específica no tráfego
de informações: estímulos visuais,
cheiro, paladar, sons, emoção,
coordenação motora, reconhecimento do olhar, tomada de decisão e uma infinidade de sensações captadas pelo sistema de sintonia fina cerebral.
Como consequência da ação integrada desses centros, quando
um homem se aproxima da pessoa objeto de seu desejo são liberados mediadores químicos que
caem na circulação e chegam ao
pênis. Mais precisamente, nos
corpos cavernosos.
Os corpos cavernosos são duas
estruturas cilíndricas que percorrem o órgão de ponta a ponta. Seu
interior é constituído por um
emaranhado de pequenos vasos
sanguíneos que lhes conferem a
consistência de esponja. Quando
enchem, o pênis endurece; caso
contrário, fica mole. O pênis é um
órgão vascular.
Para encher de sangue os corpos
cavernosos, esses pequenos vasos
precisam aumentar de calibre.
Para fazê-lo, relaxam a musculatura de suas paredes. Um mediador químico essencial nesse momento é o óxido nítrico. Sem ele
não há esperança.
Nos anos 90, pesquisadores que
trabalhavam com drogas vasodilatadoras para o coração descobriram que uma delas, o sildenafil, curiosamente melhorava o desempenho sexual dos que a ingeriam.
Para obter os direitos de comercialização, foram estudados mais
de 3.000 homens com dificuldade
de ereção por causas orgânicas
(diabete, paralisia medular, cirurgia de próstata), psicogênicas
ou ambas (depressão). Os autores
compararam o número de ereções
obtidas, o grau de rigidez peniana, orgasmo e satisfação sexual
entre os que tomavam sildenafil e
os que recebiam placebo (pílula
inerte, idêntica à outra).
Dos 268 diabéticos, 10% dos que
receberam placebo apresentaram
ereções mais convincentes, mas,
no grupo tratado, a melhora
ocorreu para 57%. Entre 178 portadores de lesões na medula espinhal, esse número aumentou de
12% no grupo-placebo para 83%
nos tratados. Nos 151 casos de depressão, de 18% para 76%.
A medicação apresentou efeitos
colaterais discretos e limitados ao
tempo de ação farmacológica da
dose ingerida. Em 3.700 usuários
que tomaram doses de 25 mg a
100 mg, surgiram os seguintes sintomas: dor de cabeça (16%), rubor facial (10%), desconforto digestivo (7%), congestão nasal
(4%), alteração visual na percepção de cor e aumento de sensibilidade à luz em 3% dos casos.
É evidente que um medicamento com essa relação custo-benefício teria sucesso comercial. Sucesso merecido, a droga é a primeira
de uma geração futura que libertará os homens do fantasma da
impotência. O impacto desses medicamentos na sexualidade masculina será comparável ao da pílula anticoncepcional, que livrou
as mulheres da preocupação
constante com a gravidez.
Com a revogação da obrigatoriedade de receita médica, as vendas de sildenafil explodiram nas
farmácias brasileiras. Do senhor
de idade em busca da virilidade
perdida ao menino de 18 que faz
uso recreacional, cada vez mais
gente toma a droga. Diante dessa
realidade, é questão de saúde pública conhecer as virtudes e os pecados do sildenafil.
Vamos começar pelas mortes.
De março a novembro de 1988, foram aviadas 6 milhões de receitas
de sildenafil nos Estados Unidos.
Nesse período, foi possível identificar 136 mortes por ataque cardíaco possivelmente associadas à
droga. A maior parte desses homens sofria do coração. É estimado que o risco entre pessoas saudáveis seja de uma morte para
cada 1 milhão de usuários. Talvez
menor do que o risco de atravessar uma rua movimentada.
Portadores de doenças na retina precisam tomar cuidados adicionais: exames periódicos da visão. A droga age numa enzima
presente na retina. Mas não há
casos descritos de alterações visuais permanentes.
Há 16 relatos de hipotensão e
morte em pacientes que fizeram
uso concomitante de sildenafil e
nitratos para o coração. Os nitratos são utilizados em diversas
pastilhas para colocar embaixo
da língua nas crises de dor no peito.
Na falta de recomendações brasileiras, os cardíacos interessados
em tomar sildenafil devem seguir
os conselhos da Associação Americana de Cardiologia:
1) está absolutamente contra-indicado o uso em homens que tomaram nitratos de curta ou longa
duração. Todos devem estar cientes dos riscos cardíacos assumidos
ao tomar sildenafil 24 horas antes
ou depois do nitrato;
2) nos casos de doença cardíaca
estável, consultar o cardiologista
antes. Teste de esteira é recomendado para todo cardíaco antes de
iniciar o sildenafil, para avaliar o
risco de isquemia coronariana
durante o esforço do ato sexual;
3) os cardíacos que apresentam
pressão arterial no limite da normalidade e os pacientes submetidos a esquemas complicados para
controlar hipertensão devem medir a pressão arterial antes e uma
hora depois de ingerir o comprimido de sildenafil.
Até onde se sabe, os demais podem tomar com boa margem de
segurança doses que variam de 25
a 100 mg, de acordo com a qualidade da ereção obtida e a intensidade dos efeitos colaterais. A absorção se dá melhor com o estômago vazio, e o pico de concentração no sangue é atingido em
30 a 120 minutos -em média, 60
minutos. O efeito dura cerca de
quatro horas.
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