São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

4 vezes Björk

Estilo anticonvencional da islandesa chega ao Brasil em discos que registram suas turnês

GUILHERME WERNECK
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Em boa parte dos anos 90, dois mundos paralelos e aparentemente excludentes davam forma à rebelião da música popular.
Nos Estados Unidos, o grunge e o rock alternativo agitavam o underground e chegavam à superfície de maneira arrasadora por meio da música dos Pixies, do Nirvana e do Sonic Youth.
Na Europa, o rock estava domesticado, sem futuro, e o eixo da contestação mudava para a dance music. As convenções da canção eram destroçadas pela acid house, pelo hardcore e pelo jungle.
A sensação era de que o futuro passaria pelo fim da canção pop, destruída pelos fluxos e refluxos das batidas por minuto.
Hoje sabemos que a canção não morreu e que essas duas culturas encontraram denominadores comuns dos dois lados do Atlântico. Mas essa primeira onda da dance music européia transformou definitivamente a canção.
Ninguém aproveitou melhor essa libertação nem foi mais importante para subverter e, assim, salvar a canção do que a islandesa Björk. Ela acabara de deixar para trás o rock do Sugarcubes e era punk o suficiente para golpear sem piedade o conformismo.
Essa inquietação é a maior lição dos quatro discos ao vivo que chegam agora ao Brasil, registrando as turnês realizadas após o lançamento de seus quatro álbuns de estúdio, "Debut" (1993), "Post" (1995), "Homogenic" (1997) e "Vespertine" (2001).
Lançados no final de 2003 na caixa "Björk Live Box", eles chegam ao Brasil pela Universal desmembrados, embora sejam os quatro registros obrigatórios.
Dois motivos tornam esses discos imprescindíveis. O primeiro é a voz élfica de Björk, levada ao limite em suas acrobacias em torno da melodia, que implodem a literalidade da letras e lhes dão significados transcendentais.
A cantora lapida um estilo anticonvencional em um momento em que não havia perspectiva de surgimento de uma voz que conseguisse trazer originalidade pop. Isso porque o horizonte estava encoberto por cantoras que primavam pela diluição, ou por se moldarem a modelos passadistas (as novas-velhas divas do jazz), ou por se perderem em exercícios fúteis de virtuosismo (as empertigadas divas do R&B), ou por não mostrarem mais que roupas sumárias (as musas do teen pop).
O segundo motivo são as conexões musicais de Björk, que aparecem de maneira brilhante dentro e fora do estúdio. Desde "Debut" e da parceria com Nellee Hooper, produtor do Soul II Soul, até chegar ao encontro com a vanguardista Zeena Parkins e com o duo de eletrônica Matmos em "Vespertine", ela foi uma antena aberta para a modernidade.
Mas isso fez com que, desde a primeira turnê, Björk se defrontasse com o dilema de como apresentar ao vivo discos depurados em meses de estúdio. É aí que entra em cena a sua criatividade em verter para o palco a essência das canções em arranjos que se valiam da eletrônica, mas que o faziam de forma improvisada.
Para cada disco de estúdio, Björk levava uma formação diferente aos palcos e transformava as canções ao sabor de seus interesses musicais.
Foi assim na época de "Debut", quando Björk ainda buscava sua voz solo, em "Post", momento em que desfilava sua popularidade na cena de dance music inglesa, em "Homogenic", quando estava em sua fase mais expansiva e se mostrava senhora do seu nariz, e, em "Vespertine", período em que se volta para a introspecção, fechando um ciclo de composições.
Assim como cada um de seus discos mostra um passo adiante, cada uma de suas turnês reflete essa evolução de forma diferente.
"Debut Live" registra um acústico MTV, gravado com fartura de músicos, em que arranjos suntuosos de metais conviviam com beats improvisados. Já nos shows de "Post", beats pré-gravados são usados em tempo real, em contraposição a uma bateria de jazz e aos arranjos das cordas vertidos para o acordeom. Em "Homogenic", um quarteto duplo de cordas se choca com beats pré-gravados. E, em "Vespertine", a harpa e o piano de Zeena Parkins e os microbeats do Matmos travam diálogo na improvisação.
Como numa performance de jazz, as canções são apresentadas sempre com novos arranjos. Um exemplo é "Anchor Song", que tinha arranjo de cordas em "Debut" e ganha três versões diferentes. As cordas viram sopros, em "Debut Live", os sopros viram acordeom em "Post Live", e o acordeom volta ao arranjo de cordas, na bela versão em islandês de "Homogenic Live".
Agora Björk se diz cansada de músicos e quer explorar os limites da voz em seu próximo lançamento, Medúlla, previsto para agosto. Só nos resta esperar a próxima transgressão.


Debut Live
Post Live
Homogenic Live
Vespertine Live
    
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 24, em média



Texto Anterior: Leitura dramática: Autran avaliza comédia sobre mulheres
Próximo Texto: Show: Okin exibe sua bossa pouco natural
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.