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30 ANOS DE "JN"
Ex-vice-presidente da Globo sustenta que pressão sobre Roberto Marinho era "insuportável"
Maior erro foi nas Diretas-Já, diz Boni
Bel Pedrosa - 02.set.97/Folha Imagem
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Boni, que foi vice-presidente de Operações da Globo até 97 |
da Reportagem Local
"Ninguém tem dúvida de que o
"JN" foi usado pelos militares", diz
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Vice-presidente de
Operações da Globo durante 30
anos, até 97, Boni foi sucedido por
Marluce Dias da Silva, atual superintendente-executiva da emissora. Consultor estratégico da Globo há dois anos, Boni concedeu
entrevista à Folha por fax.
(FERNANDO DE BARROS E SILVA)
Folha - Onde o "Jornal Nacional" errou e onde mais acertou
ao longo de seus 30 anos?
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) - Pessoalmente,
creio que o "Jornal Nacional" demorou para fazer mudanças no
seu formato e nos seus apresentadores. Era um risco muito grande,
embora necessário. Mas a mudança brusca foi um erro grave.
No campo do conteúdo, o erro
mais grave do "JN" foi ignorar a
campanha das Diretas-Já. Mas as
pressões sobre dr. Roberto Marinho foram insuportáveis. Eu não
gostaria de ter estado na pele dele
naquele momento tão difícil,
quando todos tínhamos a certeza
de que as "diretas" iriam realmente acontecer. Armando (Nogueira) e Alice (Maria) não se
conformaram e, na redação, houve uma decepção coletiva.
O maior acerto do "JN" foi estratégico, com a criação de repórteres especializados, a abertura de
sucursais internacionais e a montagem de estúdios ligados ao Brasil via satélite. O apoio do Roberto
Irineu foi fundamental.
Folha - Qual a sua visão da
missão de "integração nacional"
atribuída à Globo e especificamente ao "JN", pela própria Globo mas também pelos militares?
Essa "integração" tinha sentido
diferente em cada caso? Como
vê hoje seus resultados?
Boni - A chamada "integração
nacional" começou antes do "Jornal Nacional" e foi determinada
pelo mercado. Inicialmente a programação da Globo começou a
ser consumida nas principais capitais, seguindo modelos anteriores das Emissoras Associadas
(Tupi), Emissoras Unidas (Record-Rio) e TV Excelsior.
A diferença é que houve, da parte da Globo, competência para a
implantação de uma rede realmente nacional. Por outro lado,
não se pode ver os militares de
forma maniqueísta. Alguém do
governo da ditadura deve ter percebido o fenômeno de comunicação que se instalava e acelerou a
construção da rede da Embratel.
Com esse recurso disponível e o
interesse da publicidade na expansão do mercado nacional não
foi preciso convencer ninguém. O
processo decolou sozinho, automaticamente. As redes de televisão dos EUA e quase todos os países europeus já tinham seus telejornais nacionais. A implantação
do "Jornal Nacional" era óbvia
como atitude empresarial e oportunidade de mercado.
A notícia instantânea era obrigatoriamente o primeiro passo
para a utilização dos enlaces nacionais de microondas. Não houve assim, por parte da TV Globo,
nenhuma atitude política visando
essa integração. Mas é evidente
que a ditadura pensou na rede como ferramenta estratégica. Hoje é
diferente. Os satélites democratizaram o transporte de informações e, junto com a Internet e outros meios, multiplicaram as fontes, servindo todo o mercado.
Folha - Muita gente avalia que
o "JN" funcionou como porta-voz "oficioso" do governo durante o ciclo militar e que deve
parte de seu êxito a isso. O sr.
concorda? O jornal que ia ao ar
era aquele que os militares queriam? Qual a relação da direção
da Globo com a cúpula militar?
Boni - Um jornal que fosse boletim do governo, mesmo que "oficioso", não daria certo. No rádio,
"A Voz do Brasil" sempre foi rejeitada. Mas que o "Jornal Nacional" foi usado, ninguém tem qualquer dúvida. Não era frequente a
obrigatoriedade de transmitir
uma informação, mas o volume
de informações vetadas sempre
foi assustador. O pessoal teve que
ser de circo para conviver com isso. Foi um sofrimento para todos
os profissionais, que eram surpreendidos a todo instante com
intervenções indevidas. Houve
um momento em que tivemos
que engolir um representante do
governo no vídeo. A forma encontrada para separá-lo do corpo
do jornal foi criar uma espécie de
editorial.
O Edgardo Ericsson, no entanto, engoliu duas jogadas que fizemos. Uma foi o título dado ao segmento, de "Ordem do Dia", que
mostrava, obviamente, que se tratava de assunto militar. E outro foi
o logotipo criado pelo Borjalo,
que era uma mão humana com o
"dedo duro".
Folha - Como o sr. avalia hoje
o comportamento do "JN" na
eleição de Leonel Brizola ao governo do Rio em 82?
Boni - A empresa foi ludibriada
nesse episódio. Estávamos em fase de contenção e, para acelerar o
processo de apuração, resolvemos, junto com "O Globo", contratar os serviços do Proconsult.
Como no final da apuração o resultado do Proconsult e os resultados oficiais teriam que ser os
mesmos e, se fossem diferentes, o
que valeria seria o resultado oficial, tenho para mim que o Proconsult tinha a missão de manipular os resultados extra-oficiais,
colocando um diferencial dos números divulgados enquanto alguns grupos tentariam uma fraude nos números verdadeiros. Nós
não sabíamos disso. E, quando estranhávamos os números, o Proconsult informava que as distorções se deviam à velocidade com
que ele vinha apurando os resultados do interior em contraste
com a lentidão da apuração oficial. Ficamos vencidos. Se foi isso
mesmo que aconteceu, nós, profissionais, não sabemos até hoje.
Mas tenho certeza de que dr. Roberto e as Organizações Globo jamais seriam capazes de ser coniventes com isso.
Folha - Em 84, nos 15 anos do
"JN", Armando Nogueira dizia o
seguinte: "Nossa preocupação
com a forma, o formato, está superada. Nossa maior preocupação, atualmente, é com o conteúdo". O sr. concorda? Acredita
que a batalha do conteúdo foi
ganha de lá para cá?
Boni - É evidente que essa batalha é longa. Ela foi sendo ganha na
medida em que o país se abriu.
Acho que a situação incômoda
que vivemos durante a ditadura
não permitiu até hoje uma visão
de todas as possibilidades de uso
da liberdade no veículo. E a televisão é diferente de outras mídias,
porque foi o veículo mais vigiado
e controlado na época. A verdade
é que existem jornalistas de extrema qualidade guiando os destinos
do "Jornal Nacional" e não tenho
dúvidas que novas mudanças
ocorrerão para que a batalha seja
finalmente vencida.
Folha - A tendência à espetacularização da notícia pode ser
mundial, mas é identificada no
"JN" em doses generosas. Os
"faits divers" e a vida privada
das estrelas parecem ter ganhado espaço, em detrimento de
política/economia, que dá o tom
dos noticiários da manhã e do
final de noite. Como o sr. avalia
isso? Faz parte das mudanças
por que passa a Globo?
Boni - Embora internacionalmente a mídia venha sofrendo
com isso, acredito que, pela pluralidade de programas que especulam com o gênero, não há necessidade de o "JN" se prestar a essa
utilização. A Globo passa hoje por
um saudável processo de transformação e vai, naturalmente, pelos instrumentos que possui e pelas pessoas que lá estão, aprimorar a cada dia o "JN" e toda a sua
programação. Mas leva tempo.
Folha - O formato do casal sem
opiniões apresentando o jornal
é uma opção clara contra a figura do âncora? O "JN" se descaracterizaria com um âncora?
Boni - O Evandro Carlos de Andrade sempre teve em mente ter
âncoras fortes e competentes em
todos os telejornais. Não se faz isso do dia para noite e âncoras não
se encontram na esquina. É difícil.
Folha - Qual sua avaliação das
inserções/comentários de Arnaldo Jabor no "JN"?
Boni - Sou fã do Jabor. Mas acho
que ele ficaria melhor só no "Jornal da Globo". O espaço do "Jornal Nacional" é pequeno para a
criatividade do Jabor e o segmento compromete o ritmo do jornal.
Folha - Qual o melhor telejornal da TV brasileira hoje (aberta
e por assinatura)?
Boni - Não posso apontar nenhum que me satisfaça inteiramente. Mesmo nos melhores falta
ou sobra alguma coisa.
Folha - O sr. assiste o "JN"? Assiste quais telejornais?
Boni - Ninguém pode se limitar,
hoje em dia, a receber informações de um único veículo. Acordo
cedo e vou direto ao "The New
York Times" pela Internet. Leio
os principais jornais de São Paulo
e do Rio, em casa, ou pela Internet, quando viajo. Na televisão
sou o rei do "zapping" e vejo quase todos os telejornais, mas sempre que posso me detenho no
"Jornal Nacional", no Boris Casoy
e na Lillian Witte Fibe. Não deixo
de dar uma passada na CNN e na
Globonews, embora estejam muito repetitivos.
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