São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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30 ANOS DE "JN"
Ex-vice-presidente da Globo sustenta que pressão sobre Roberto Marinho era "insuportável"
Maior erro foi nas Diretas-Já, diz Boni

Bel Pedrosa - 02.set.97/Folha Imagem
Boni, que foi vice-presidente de Operações da Globo até 97


da Reportagem Local

"Ninguém tem dúvida de que o "JN" foi usado pelos militares", diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Vice-presidente de Operações da Globo durante 30 anos, até 97, Boni foi sucedido por Marluce Dias da Silva, atual superintendente-executiva da emissora. Consultor estratégico da Globo há dois anos, Boni concedeu entrevista à Folha por fax.
(FERNANDO DE BARROS E SILVA)

Folha - Onde o "Jornal Nacional" errou e onde mais acertou ao longo de seus 30 anos?
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) -
Pessoalmente, creio que o "Jornal Nacional" demorou para fazer mudanças no seu formato e nos seus apresentadores. Era um risco muito grande, embora necessário. Mas a mudança brusca foi um erro grave.
No campo do conteúdo, o erro mais grave do "JN" foi ignorar a campanha das Diretas-Já. Mas as pressões sobre dr. Roberto Marinho foram insuportáveis. Eu não gostaria de ter estado na pele dele naquele momento tão difícil, quando todos tínhamos a certeza de que as "diretas" iriam realmente acontecer. Armando (Nogueira) e Alice (Maria) não se conformaram e, na redação, houve uma decepção coletiva.
O maior acerto do "JN" foi estratégico, com a criação de repórteres especializados, a abertura de sucursais internacionais e a montagem de estúdios ligados ao Brasil via satélite. O apoio do Roberto Irineu foi fundamental.

Folha - Qual a sua visão da missão de "integração nacional" atribuída à Globo e especificamente ao "JN", pela própria Globo mas também pelos militares? Essa "integração" tinha sentido diferente em cada caso? Como vê hoje seus resultados?
Boni -
A chamada "integração nacional" começou antes do "Jornal Nacional" e foi determinada pelo mercado. Inicialmente a programação da Globo começou a ser consumida nas principais capitais, seguindo modelos anteriores das Emissoras Associadas (Tupi), Emissoras Unidas (Record-Rio) e TV Excelsior.
A diferença é que houve, da parte da Globo, competência para a implantação de uma rede realmente nacional. Por outro lado, não se pode ver os militares de forma maniqueísta. Alguém do governo da ditadura deve ter percebido o fenômeno de comunicação que se instalava e acelerou a construção da rede da Embratel.
Com esse recurso disponível e o interesse da publicidade na expansão do mercado nacional não foi preciso convencer ninguém. O processo decolou sozinho, automaticamente. As redes de televisão dos EUA e quase todos os países europeus já tinham seus telejornais nacionais. A implantação do "Jornal Nacional" era óbvia como atitude empresarial e oportunidade de mercado.
A notícia instantânea era obrigatoriamente o primeiro passo para a utilização dos enlaces nacionais de microondas. Não houve assim, por parte da TV Globo, nenhuma atitude política visando essa integração. Mas é evidente que a ditadura pensou na rede como ferramenta estratégica. Hoje é diferente. Os satélites democratizaram o transporte de informações e, junto com a Internet e outros meios, multiplicaram as fontes, servindo todo o mercado.

Folha - Muita gente avalia que o "JN" funcionou como porta-voz "oficioso" do governo durante o ciclo militar e que deve parte de seu êxito a isso. O sr. concorda? O jornal que ia ao ar era aquele que os militares queriam? Qual a relação da direção da Globo com a cúpula militar?
Boni -
Um jornal que fosse boletim do governo, mesmo que "oficioso", não daria certo. No rádio, "A Voz do Brasil" sempre foi rejeitada. Mas que o "Jornal Nacional" foi usado, ninguém tem qualquer dúvida. Não era frequente a obrigatoriedade de transmitir uma informação, mas o volume de informações vetadas sempre foi assustador. O pessoal teve que ser de circo para conviver com isso. Foi um sofrimento para todos os profissionais, que eram surpreendidos a todo instante com intervenções indevidas. Houve um momento em que tivemos que engolir um representante do governo no vídeo. A forma encontrada para separá-lo do corpo do jornal foi criar uma espécie de editorial.
O Edgardo Ericsson, no entanto, engoliu duas jogadas que fizemos. Uma foi o título dado ao segmento, de "Ordem do Dia", que mostrava, obviamente, que se tratava de assunto militar. E outro foi o logotipo criado pelo Borjalo, que era uma mão humana com o "dedo duro".

Folha - Como o sr. avalia hoje o comportamento do "JN" na eleição de Leonel Brizola ao governo do Rio em 82?
Boni -
A empresa foi ludibriada nesse episódio. Estávamos em fase de contenção e, para acelerar o processo de apuração, resolvemos, junto com "O Globo", contratar os serviços do Proconsult. Como no final da apuração o resultado do Proconsult e os resultados oficiais teriam que ser os mesmos e, se fossem diferentes, o que valeria seria o resultado oficial, tenho para mim que o Proconsult tinha a missão de manipular os resultados extra-oficiais, colocando um diferencial dos números divulgados enquanto alguns grupos tentariam uma fraude nos números verdadeiros. Nós não sabíamos disso. E, quando estranhávamos os números, o Proconsult informava que as distorções se deviam à velocidade com que ele vinha apurando os resultados do interior em contraste com a lentidão da apuração oficial. Ficamos vencidos. Se foi isso mesmo que aconteceu, nós, profissionais, não sabemos até hoje. Mas tenho certeza de que dr. Roberto e as Organizações Globo jamais seriam capazes de ser coniventes com isso.

Folha - Em 84, nos 15 anos do "JN", Armando Nogueira dizia o seguinte: "Nossa preocupação com a forma, o formato, está superada. Nossa maior preocupação, atualmente, é com o conteúdo". O sr. concorda? Acredita que a batalha do conteúdo foi ganha de lá para cá?
Boni -
É evidente que essa batalha é longa. Ela foi sendo ganha na medida em que o país se abriu. Acho que a situação incômoda que vivemos durante a ditadura não permitiu até hoje uma visão de todas as possibilidades de uso da liberdade no veículo. E a televisão é diferente de outras mídias, porque foi o veículo mais vigiado e controlado na época. A verdade é que existem jornalistas de extrema qualidade guiando os destinos do "Jornal Nacional" e não tenho dúvidas que novas mudanças ocorrerão para que a batalha seja finalmente vencida.

Folha - A tendência à espetacularização da notícia pode ser mundial, mas é identificada no "JN" em doses generosas. Os "faits divers" e a vida privada das estrelas parecem ter ganhado espaço, em detrimento de política/economia, que dá o tom dos noticiários da manhã e do final de noite. Como o sr. avalia isso? Faz parte das mudanças por que passa a Globo?
Boni -
Embora internacionalmente a mídia venha sofrendo com isso, acredito que, pela pluralidade de programas que especulam com o gênero, não há necessidade de o "JN" se prestar a essa utilização. A Globo passa hoje por um saudável processo de transformação e vai, naturalmente, pelos instrumentos que possui e pelas pessoas que lá estão, aprimorar a cada dia o "JN" e toda a sua programação. Mas leva tempo.

Folha - O formato do casal sem opiniões apresentando o jornal é uma opção clara contra a figura do âncora? O "JN" se descaracterizaria com um âncora?
Boni -
O Evandro Carlos de Andrade sempre teve em mente ter âncoras fortes e competentes em todos os telejornais. Não se faz isso do dia para noite e âncoras não se encontram na esquina. É difícil.

Folha - Qual sua avaliação das inserções/comentários de Arnaldo Jabor no "JN"?
Boni -
Sou fã do Jabor. Mas acho que ele ficaria melhor só no "Jornal da Globo". O espaço do "Jornal Nacional" é pequeno para a criatividade do Jabor e o segmento compromete o ritmo do jornal.

Folha - Qual o melhor telejornal da TV brasileira hoje (aberta e por assinatura)?
Boni -
Não posso apontar nenhum que me satisfaça inteiramente. Mesmo nos melhores falta ou sobra alguma coisa.

Folha - O sr. assiste o "JN"? Assiste quais telejornais?
Boni -
Ninguém pode se limitar, hoje em dia, a receber informações de um único veículo. Acordo cedo e vou direto ao "The New York Times" pela Internet. Leio os principais jornais de São Paulo e do Rio, em casa, ou pela Internet, quando viajo. Na televisão sou o rei do "zapping" e vejo quase todos os telejornais, mas sempre que posso me detenho no "Jornal Nacional", no Boris Casoy e na Lillian Witte Fibe. Não deixo de dar uma passada na CNN e na Globonews, embora estejam muito repetitivos.


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