São Paulo, sexta-feira, 28 de setembro de 2001

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"INTIMIDADE"

Hanif Kureishi narra a perda das ideologias

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

"A pago as luzes e me vejo subindo a escada que vai dar no quarto. O que estou fazendo? Se esta é minha última noite aqui, se estas são mesmo as horas derradeiras, não seria melhor me aprontar, arrumar a mala?" Quem pensa assim é Jay, protagonista do romance "Intimidade", do inglês de ascendência paquistanesa Hanif Kureishi, 46.
Jay está prestes a sair de casa e abandonar o casamento de seis anos com Susan e os dois filhos. Ele ainda hesita, tateia por orientação como uma criança que não consegue achar seu próprio quarto na escuridão do corredor. "Se ela estiver acordada... o quê? Sim; conversarei um pouco com ela -afinal, ela me orientou antes, me mostrou como afastar a confusão. Depois irei dormir e na manhã seguinte tudo continuará como antes."
No entanto, Jay sabe que não mudará de idéia. Durante as 114 páginas do livro, temos a certeza de que não haverá um passo atrás em sua decisão de partir. A única coisa que ele espera conseguir fazer nesse último dia e nessa última noite, tempo de duração do romance, é entender um pouco melhor a razão do seu ceticismo em relação à felicidade.
"Posso distinguir seu cabelo no meio dos cobertores e travesseiros. Fico parado, olhando para você. Gostaria que fosse uma outra pessoa. É demais querer uma intimidade terna e completa? É demais querer dormir nos braços de alguém?"
"Intimidade", o quarto romance de Kureishi, causa incômodo. Não por tratar do fim do amor, do desmantelamento de uma família ou das incertezas de um homem de meia-idade. O que molesta é a passividade com que Jay encara o rompimento que ele mesmo escolheu.
Nas horas que antecedem sua partida, ele observa a mulher, empenhada em cumprir sua lista de tarefas -que inclui desde o gerenciamento da casa à distribuição de opiniões categóricas sobre ele e sobre o mundo-, e os filhos pequenos, de quem tenta enquadrar e guardar alguma imagem -"nós três dançando ao som dos Rolling Stones; vê-los na bicicleta, afastando-se de mim". Seu olhar para a família é de sarcasmo, Jay transforma o relato de seu dia-a-dia, até então, em uma triste sátira de si mesmo.
A opinião do autor sobre os anos 90 atravessa todo o livro. Kureishi vê Londres como uma metrópole acolhedora, mas preconceituosa; ao mesmo tempo em que se sente atraído por seu submundo.
O protagonista de "Intimidade" faz transparecer também a descrença ideológica do escritor. Kureishi mesmo explica, em texto recentemente publicado no jornal londrino "The Guardian", que considera que, na Inglaterra, a política deixou de ocupar um espaço público, como fazia nos anos entre os 60 e 80, e que hoje havia se mudado para dentro dos corpos. Nesse sentido, podemos ler "Intimidade" como um romance político, em sua época.
Kureishi acaba de lançar um novo livro em Londres. "Gabriels Gift" (Faber), a história de um adolescente de 15 anos que enfrenta o rompimento do relacionamento dos pais, ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.


Intimidade
Intimacy
    
Autor: Hanif Kureishi
Lançamento: Companhia das Letras, 2000
Quanto: R$ 19,50 (114 págs.)



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