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"INTIMIDADE"
Hanif Kureishi narra a perda das ideologias
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"A pago as luzes e me vejo
subindo a escada que vai
dar no quarto. O que estou fazendo? Se esta é minha última noite
aqui, se estas são mesmo as horas
derradeiras, não seria melhor me
aprontar, arrumar a mala?"
Quem pensa assim é Jay, protagonista do romance "Intimidade",
do inglês de ascendência paquistanesa Hanif Kureishi, 46.
Jay está prestes a sair de casa e
abandonar o casamento de seis
anos com Susan e os dois filhos.
Ele ainda hesita, tateia por orientação como uma criança que não
consegue achar seu próprio quarto na escuridão do corredor. "Se
ela estiver acordada... o quê? Sim;
conversarei um pouco com ela
-afinal, ela me orientou antes,
me mostrou como afastar a confusão. Depois irei dormir e na manhã seguinte tudo continuará como antes."
No entanto, Jay sabe que não
mudará de idéia. Durante as 114
páginas do livro, temos a certeza
de que não haverá um passo atrás
em sua decisão de partir. A única
coisa que ele espera conseguir fazer nesse último dia e nessa última noite, tempo de duração do
romance, é entender um pouco
melhor a razão do seu ceticismo
em relação à felicidade.
"Posso distinguir seu cabelo no
meio dos cobertores e travesseiros. Fico parado, olhando para
você. Gostaria que fosse uma outra pessoa. É demais querer uma
intimidade terna e completa? É
demais querer dormir nos braços
de alguém?"
"Intimidade", o quarto romance de Kureishi, causa incômodo.
Não por tratar do fim do amor, do
desmantelamento de uma família
ou das incertezas de um homem
de meia-idade. O que molesta é a
passividade com que Jay encara o
rompimento que ele mesmo escolheu.
Nas horas que antecedem sua
partida, ele observa a mulher, empenhada em cumprir sua lista de
tarefas -que inclui desde o gerenciamento da casa à distribuição de opiniões categóricas sobre
ele e sobre o mundo-, e os filhos
pequenos, de quem tenta enquadrar e guardar alguma imagem
-"nós três dançando ao som dos
Rolling Stones; vê-los na bicicleta,
afastando-se de mim". Seu olhar
para a família é de sarcasmo, Jay
transforma o relato de seu dia-a-dia, até então, em uma triste sátira
de si mesmo.
A opinião do autor sobre os
anos 90 atravessa todo o livro. Kureishi vê Londres como uma metrópole acolhedora, mas preconceituosa; ao mesmo tempo em
que se sente atraído por seu submundo.
O protagonista de "Intimidade"
faz transparecer também a descrença ideológica do escritor. Kureishi mesmo explica, em texto
recentemente publicado no jornal
londrino "The Guardian", que
considera que, na Inglaterra, a política deixou de ocupar um espaço
público, como fazia nos anos entre os 60 e 80, e que hoje havia se
mudado para dentro dos corpos.
Nesse sentido, podemos ler "Intimidade" como um romance político, em sua época.
Kureishi acaba de lançar um novo livro em Londres. "Gabriels
Gift" (Faber), a história de um
adolescente de 15 anos que enfrenta o rompimento do relacionamento dos pais, ainda não tem
previsão de lançamento no Brasil.
Intimidade
Intimacy
Autor: Hanif Kureishi
Lançamento: Companhia das Letras,
2000
Quanto: R$ 19,50 (114 págs.)
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