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LIVRO/LANÇAMENTO
LITERATURA
Chega às livrarias "Nove Noites", romance de Bernardo Carvalho, que usa morte de antropólogo como mote
Suicídio real alimenta ficção de escritor
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu não deveria dar entrevista.
Tudo o que eu disser pode ser
usado contra a minha ficção", diz
Bernardo Carvalho.
Bem, foi quase assim, não exatamente assim, que o escritor disse,
em entrevista dada à Folha na terça-feira. Mas aí está a idéia -e
nada mais adequado a ela do que
uma declaração semi-verdadeira.
Não se pode falar muito sobre
seu novo livro, "Nove Noites",
que chega às livrarias neste fim-de-semana. Qualquer coisa que se
revele sobre o sexto romance do
escritor e jornalista, colunista da
Folha, pode estragar seu delicado
balanço entre ficção e realidade.
Pois bem, aí vai um pouco da
realidade. Um antropólogo norte-americano chamado Buell Quain
veio ao Brasil em fevereiro de 1938
para fazer pesquisas etnográficas
com índios. Em 2 de agosto do
ano seguinte o rapaz de 27 anos
interrompe uma caminhada que
fazia com dois índios pelas matas
do Tocantins, faz diversos cortes
em seu corpo com gilete e se enforca em uma árvore. É fato.
Fato também é que Bernardo
Carvalho topou pela primeira vez
com essa história pouco conhecida ao ler um artigo da antropóloga Mariza Corrêa em maio de
2001, que menciona "en passant"
"Buell Quain, que se suicidou entre os índios krahôs".
Curioso com o que teria levado
o americano, orientando da prestigiada antropóloga Ruth Benedict, a se matar no miolo da floresta brasileira, o escritor logo se viu
montando uma detalhada pesquisa. Mas, ao tentar desbastar as
arestas do caso, achou uma história real tão repleta de ambiguidades como suas ficções. E se pôs,
então, a fazer um romance.
Como nos trabalhos mais recentes de Carvalho, "Teatro"
(1998), "As Iniciais" (1999) -que
está sendo lançado este mês na
França- e "Medo de Sade"
(2000), "Nove Noites" também é
feito de duas narrativas relacionadas. Mas, se os romances anteriores eram estruturados com um
texto no início e outro o contradizendo depois, agora as duas vozes
se intercalam.
Em alguns capítulos, em itálico,
lemos uma carta deixada por alguém (que não cumpre dizer
quem é) para outro alguém (que
também não se pode revelar
aqui), descrevendo seus momentos com Buell Quain. Nos outros,
acompanhamos um escritor e jornalista (criado à imagem e semelhança do próprio Bernardo Carvalho) tentando reconstruir vida e
morte do antropólogo.
Ficção baseada em fatos reais?
Sim, e não. Uma das molas que
propulsiona o romancista é sua
irritação com a supervalorização
que vê nesse rótulo. "Uma coisa
que me incomoda muito na produção literária hoje é a tendência
do mercado, do público e do jornalismo de dar maior destaque à
ficção "baseada em fatos reais"."
Mas seu romance não é calçado
na história verdadeira de Quain?
"Sim, mas faço quase o contrário. Um livro em que todo mundo
é real, todos os nomes são verdadeiros, mas é quase tudo falso, é
um romance", diz o escritor, que
aparece na orelha do livro, em foto de quando tinha seis anos, de
mãos dadas com um índio.
Ah, a foto em questão é, sim,
real. O escritor, bisneto do lendário marechal Rondon, passou boa
parte das férias infantis visitando
o Xingu. É quase tudo o que se pode dizer, sem revelar os muitos
mistérios da "realidade baseada
em fatos ficcionais" de Carvalho.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
NOVE NOITES. De: Bernardo Carvalho.
Editora: Companhia das Letras. Quanto:
R$ 28 (176 págs.).
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