|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO/LANÇAMENTO
"QUERIDO FRANZ"
Anna Bolecka traça um perfil do autor tcheco a partir de cartas imaginárias de amigos e namoradas
Romance desvenda os amores de Kafka
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
De um lado, a imagem de um
escritor frequentemente associado ao desespero, à sombra, ao absurdo. De outro, a visão de uma
vida pontuada pelo esforço da
criação, por certa luminosidade,
uma tímida esperança. Intrigada
com a disparidade entre a representação universal de Franz Kafka
e o sentimento que o mergulho
em sua vida lhe despertava, a ficcionista Anna Bolecka, nascida
em Varsóvia em 51, começou a
dar corpo a ambicioso projeto: escrever um romance que desvendasse o extraordinário autor.
Foram cinco anos de trabalho
-e o resultado é "Querido
Franz", terceiro romance de Bolecka, publicado originalmente na
Polônia em 1999 e que chega agora ao Brasil, depois de sair na Holanda e na Alemanha. Premiado
pelo Pen Club, o livro baseia-se
em cartas imaginárias do tcheco
Kafka, seus amigos e namoradas.
Leia a seguir trechos da entrevista com a escritora, por e-mail.
Folha - Qual a origem de "Querido Franz"? Por que a sra. decidiu
escrever sobre o tcheco, com especial atenção à vida amorosa?
Anna Bolecka - As fontes de inspiração foram várias -e, como
sempre acontece com obras de arte, muito misteriosas. Há anos interessei-me por Franz Kafka, não
apenas por seus livros mas, acima
de tudo, por sua pessoa. A vida de
Kafka foi difícil, especialmente
em decorrência de sua personalidade sensível, rica e "não harmoniosa". Até hoje ele é associado a
sofrimento, penumbra e complexos. Ainda assim, quanto mais eu
penetrava na história da sua vida,
mais me convencia de que ela
continha uma certa luminosidade
-e algo parecido com uma tímida esperança. Eu quis descobrir
como era o verdadeiro Kafka,
desvendar o seu mistério.
Folha - Qual o processo seguido
para alcançar isso?
Bolecka - Desde o início sabia
que não queria fazer um ensaio
acadêmico. Outros já haviam feito isso. Meu domínio é o do romance. São poucos os romances
nos quais Kafka aparece como herói principal. Meu plano era mais
ambicioso: escrever sobre Kafka,
seus amigos e suas mulheres; sobre a vida em Praga, Berlim e Viena; sobre o mundo antes da Primeira Guerra; sobre judeus e alemães da primeira metade do século 20. "Querido Franz" não tem
um narrador onisciente, apenas
alguns personagens e seus pontos
de vista. O herói pode se enganar,
pode ser injusto. Pude falar dele
com as vozes de outros.
A vida amorosa de Kafka não
foi fácil; era um cenário de uma
história dramática. Dois noivados
com a mesma funcionária berlinense, Felicia Bauer; um misterioso envolvimento com sua amiga
Greta Bloch, que teria resultado
num filho; um outro noivado,
com uma jovem judia de família
pobre, Julia Vohryzek; um caso
com a jornalista Milena Jesenská.
Folha Qual é o Franz Kafka que a
sra. acredita ter desvendado?
Bolecka - O herói do meu romance é um homem incapaz de
manter uma relação duradoura
com mulheres. Para mim, ele foi
um escritor cujo interesse principal era o das fontes ocultas do
mal, do abuso do poder e de seus
obscuros caminhos. O mito principal de Franz Kafka é o do bode
expiatório, da relação entre o algoz e sua vítima, do sentimento
de culpa e de seu respectivo impacto na psique humana.
Rinaldo Gama é coordenador-superintendente do Instituto Moreira Salles
Texto Anterior: Bicentenário: "Victor Hugo foi autor visionário", diz biógrafo Próximo Texto: Frase Índice
|