São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"QUERIDO FRANZ"

Anna Bolecka traça um perfil do autor tcheco a partir de cartas imaginárias de amigos e namoradas

Romance desvenda os amores de Kafka

RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

De um lado, a imagem de um escritor frequentemente associado ao desespero, à sombra, ao absurdo. De outro, a visão de uma vida pontuada pelo esforço da criação, por certa luminosidade, uma tímida esperança. Intrigada com a disparidade entre a representação universal de Franz Kafka e o sentimento que o mergulho em sua vida lhe despertava, a ficcionista Anna Bolecka, nascida em Varsóvia em 51, começou a dar corpo a ambicioso projeto: escrever um romance que desvendasse o extraordinário autor.
Foram cinco anos de trabalho -e o resultado é "Querido Franz", terceiro romance de Bolecka, publicado originalmente na Polônia em 1999 e que chega agora ao Brasil, depois de sair na Holanda e na Alemanha. Premiado pelo Pen Club, o livro baseia-se em cartas imaginárias do tcheco Kafka, seus amigos e namoradas.
Leia a seguir trechos da entrevista com a escritora, por e-mail.

Folha - Qual a origem de "Querido Franz"? Por que a sra. decidiu escrever sobre o tcheco, com especial atenção à vida amorosa?
Anna Bolecka -
As fontes de inspiração foram várias -e, como sempre acontece com obras de arte, muito misteriosas. Há anos interessei-me por Franz Kafka, não apenas por seus livros mas, acima de tudo, por sua pessoa. A vida de Kafka foi difícil, especialmente em decorrência de sua personalidade sensível, rica e "não harmoniosa". Até hoje ele é associado a sofrimento, penumbra e complexos. Ainda assim, quanto mais eu penetrava na história da sua vida, mais me convencia de que ela continha uma certa luminosidade -e algo parecido com uma tímida esperança. Eu quis descobrir como era o verdadeiro Kafka, desvendar o seu mistério.

Folha - Qual o processo seguido para alcançar isso?
Bolecka -
Desde o início sabia que não queria fazer um ensaio acadêmico. Outros já haviam feito isso. Meu domínio é o do romance. São poucos os romances nos quais Kafka aparece como herói principal. Meu plano era mais ambicioso: escrever sobre Kafka, seus amigos e suas mulheres; sobre a vida em Praga, Berlim e Viena; sobre o mundo antes da Primeira Guerra; sobre judeus e alemães da primeira metade do século 20. "Querido Franz" não tem um narrador onisciente, apenas alguns personagens e seus pontos de vista. O herói pode se enganar, pode ser injusto. Pude falar dele com as vozes de outros.
A vida amorosa de Kafka não foi fácil; era um cenário de uma história dramática. Dois noivados com a mesma funcionária berlinense, Felicia Bauer; um misterioso envolvimento com sua amiga Greta Bloch, que teria resultado num filho; um outro noivado, com uma jovem judia de família pobre, Julia Vohryzek; um caso com a jornalista Milena Jesenská.

Folha Qual é o Franz Kafka que a sra. acredita ter desvendado?
Bolecka -
O herói do meu romance é um homem incapaz de manter uma relação duradoura com mulheres. Para mim, ele foi um escritor cujo interesse principal era o das fontes ocultas do mal, do abuso do poder e de seus obscuros caminhos. O mito principal de Franz Kafka é o do bode expiatório, da relação entre o algoz e sua vítima, do sentimento de culpa e de seu respectivo impacto na psique humana.


Rinaldo Gama é coordenador-superintendente do Instituto Moreira Salles


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