São Paulo, segunda, 28 de setembro de 1998

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VÍDEO LANÇAMENTOS
Duas produções que resgatam a estética da época chegam às locadoras; são 'Jackie Brown', já disponível, e 'Boogie Nights', que sai em outubro
A febre dos 70

THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

Quentin Tarantino é, sem dúvida, um autor. Numa década em que os diretores são cada vez mais peças menores no tabuleiro de Hollywood, ele consegue imprimir uma assinatura em todos os seus trabalhos. "Jackie Brown", sua releitura do cinema realista dos anos 70, prova a existência de um universo tarantinesco.
Os elementos recorrentes da obra do diretor estão presentes. Os personagens falam pelos cotovelos e têm uma atitude cool diante da violência e do perigo. Todos vestem roupas de gosto muito além do duvidoso. Algumas cenas são marcadas seguindo a trilha sonora (e não o contrário, como é comum), a luz é bem reduzida nas tomadas internas e o áudio é gravado com microfones direcionais, privilegiando pequenos ruídos num nível acima do som ambiente.
Tudo isso já estava em "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction". No entanto, Tarantino fez um filme completamente diferente.
O mais incrível é perceber que Tarantino já tem uma obra tão poderosa a ponto de permitir esse jogo de referências e comparações, com apenas três filmes no currículo -além do episódio que dirigiu em "Grande Hotel" e dos roteiros que escreveu para Oliver Stone, Tony Scott e Robert Rodriguez.
Tarantino queria um filme que pudesse reproduzir o estilo dos cineastas americanos dos 70. Gente como John Frankenheimer, Sidney Lumet, William Friedkin e outros adeptos de dramas policiais realistas. Para calcar de vez o carimbo setentista na obra, resgatou a atriz Pam Grier, esquecida figura manjadíssima do filão de filmes de negros, para negros e com negros que explodiu naquela década, puxado pelo clássico "Shaft".
Tarantino evita o modo óbvio de reverenciar os anos 70, que seria encher a tela de tipos com sapato plataforma e calça boca-de-sino. Ele prefere induzir o espectador a uma viagem nostálgica pelo som, pelos enquadramentos e pelo ritmo do roteiro.
A trilha sonora é, como sempre no mundo Tarantino, uma colagem de vários grupos pop obscuros, mas a referência óbvia é o som de Lalo Schiffrin e de Isaac Hayes, maestros dos filmes policiais há duas décadas.
Os quadros e os cortes de imagem mostram como o diretor é um cinéfilo enlouquecido. A cartilha dos anos 70 é seguida fielmente. Há dois cacoetes constantes: o enquadramento do cenário vazio, para a posterior entrada do ator no campo de visão do espectador, e os planos americanos, que destoam dos "big closes" que infestam as telas de cinema de hoje.
Na busca dessa estética pré-videoclipe, Tarantino apertou a tecla slow-motion. Tudo em "Jackie Brown" é lento e distante -ou cool e sofisticado, como prefere o diretor.
A história de uma aeromoça que transporta dinheiro de venda ilegal de armas traz a habitual galeria de personagens bizarros: a aeromoça (Grier), os traficantes (Robert DeNiro e Samuel L. Jackson), a "blondie junkie" (Bridget Fonda), o tira esquisitão (Michael Keaton) e o otário de plantão (Robert Forster).
Qualquer um poderia ser substituído. Num cinema tão autoral quanto o de Tarantino, o diretor domina e faz o que quiser. Até voltar 20 anos no tempo.

Filme: Jackie Brown
Direção: Quentin Tarantino
Produção: EUA, 1997, 154 min
Com: Pam Grier, Samuel L. Jackson
Lançamento: Paris (011/3872-4404)



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