São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 2005

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CINEMA/"CRASH - NO LIMITE"

Ator, que já sofreu preconceitos, estrela longa de estréia do roteirista de "Menina de Ouro"

"Racismo tem a ver com poder", diz Cheadle

DA REPORTAGEM LOCAL

Ao atuar pela primeira vez como produtor, em "Crash - No Limite", que estréia hoje em São Paulo, o ator norte-americano Don Cheadle, 40, manipula a indústria do cinema ao seu favor.
Entre uma produção milionária e outra, como o blockbuster "Doze Homens e Outro Segredo", com Brad Pitt e George Clooney, Cheadle atua em filmes de caráter mais alternativo e menos lucrativos, como este longa dirigido por Paul Haggis, roteirista de "Menina de Ouro", e "Hotel Ruanda".
"O meu real interesse são as produções mais autorais, mais próximas do coração do criador. "Onze Homens e Um Segredo", por exemplo, fiz mais pela diversão", afirma Cheadle, em entrevista à Folha. "Esses filmes grandes são necessários porque rendem um bom dinheiro, o que me permite fazer coisas mais alternativas, já que estes não rendem muito nas bilheterias." Com as contas em dia, o ator partiu para este "Crash". "É um roteiro que lida com temas que raramente vejo retratados em Hollywood", diz.
Na tradição de "Short Cuts", de Robert Altman, "Crash" acompanha várias tramas paralelas que em determinado momento irão se cruzar. Como o título sugere, o termo mais exato seria "esbarrar" ou "colidir". É assim nas 36 horas de vida dos personagens deste filme, que capta uma Los Angeles em ebulição, habitada por negros, brancos, latinos, asiáticos e iranianos, com tensões raciais sempre prestes a explodir.
Cheadle interpreta o detetive Graham Waters, homem que tem um caso com sua parceira de trabalho, latina, e que dá poucos ouvidos à mãe, que lhe pede para localizar o seu outro filho, desaparecido. "Ele é um cara que se desconectou de suas emoções há muito tempo. Não me identifico nem um pouco com ele."
Cheadle acredita que "Crash" não lida apenas com a questão das diferenças raciais e que os conflitos são causados por fatores maiores. "O termo "racismo" tem a ver com poder, mas não são todos que têm poder. Todos têm opiniões sobre as outras pessoas baseadas em preconceitos diversos, além da cor da pele, e essa é a questão do filme."
Feito antes de "Hotel Ruanda", sobre o genocídio no país africano em 1994, "Crash" pode sugerir que Cheadle prega uma espécie de militância política com seus filmes "menores". "Claro que já fui vítima de racismo por ser um homem negro. São incidentes pequenos que passei com policiais, donos de lojas etc. Minhas histórias como vítima não são únicas", afirma. "Apesar dos temas de meus filmes, não acho que todos em Hollywood devem ter essa responsabilidade de se tornar politicamente ativos. Mas, uma vez celebridade, é mais benéfico para a humanidade -e para você mesmo- que você utilize os canais de expressão disponíveis para expressar as coisas que você acredita serem as corretas."
Assim como a visão de "Crash", que analisa os vários lados da intolerância racial, Cheadle procura relativizar questões polêmicas, como o suposto descaso das autoridades americanas em relação ao resgate das vítimas negras do furacão Katrina no sul dos EUA, em agosto. "Não havia apenas negros por ali mas também muita gente pobre e branca. É nesses momentos que a questão racial se mistura à questão social. Foi muito mais uma questão de descaso em relação às pessoas pobres, e não em relação aos negros. O fato é que os Estados Unidos têm um passado escravocrata, e até hoje nós, norte-americanos, sentimos uma culpa enorme em relação a isso."
(BRUNO YUTAKA SAITO)

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