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TV brasileira exibe 20 crimes por hora de desenho
Mapeamento estatístico da ONU em seis emissoras abertas, concluído na sexta-feira passada, detecta 1.432 crimes em uma semana de desenhos animados; Band e Record são as que mais mostram homicídios
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GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial
O Brasil está criando o Ibope politicamente correto, numa avaliação minuto a minuto da exploração de violência, sexo e discriminação. Esses dados se transformam em relatórios públicos para
orientar pais, educadores e entidades não-governamentais de direitos humanos.
É um mapeamento estatístico
que resulta da crescente preocupação da sociedade com o conteúdo
vale-tudo das programações, em
meio a estudos acadêmicos, especialmente dos Estados Unidos, indicando suposta relação entre TV e
comportamentos anti-sociais.
Na semana passada, a ONU (Organização das Nações Unidas)
concluiu análise de todos os desenhos animados em seis emissoras
de TV aberta, transmitidos em
agosto passado -as 71 horas de
desenhos indicaram que, em média, a cada 60 minutos, aparecem
20 crimes, a maioria lesão corporal
e homicídio.
A próxima fase, agora, é avaliar
os filmes e, depois, os programas
de auditórios, classificando as 24
horas de programação.
"A sociedade tem direito de saber, em detalhes, o que chega a
suas casas", afirma o jurista Oscar
Vieira, professor de direitos humanos da PUC em São Paulo e diretor-executivo do Ilanud, entidade da ONU que estuda a violência.
Esse tipo de iniciativa é disseminada nos EUA, mas até agora incipiente no Brasil; nos EUA a tendência majoritária é atribuir à TV
responsabilidade por desvios de
conduta, num suposto estímulo à
violência, permissividade sexual,
discriminações e até drogas.
Representantes das emissoras
acusam as entidades de uma dose
de histeria politicamente correta.
"Há muito exagero, atribuindo-se à TV males. Mas o fato é que vivemos num país permissivo. Em
alguns países, nem sequer é possível passar propaganda durante a
programação infantil", diz Beth
Carmona, ex-diretora de programação da TV Cultura.
O fato é que a TV está no foco, e a
sociedade brasileira parece disposta a fiscalizar a programação.
Pesquisa realizada pela Universidade Gama Filho, no ano passado,
destinada à revista "Claudia",
investigou a erotização e exploração
da figura da mulher na programação infantil. A exemplo da ONU,
eles também fizeram análise minuto a minuto. Em 151 horas de programação, os pesquisadores detectaram 308 cenas de erotização,
apontando, em primeiro lugar, a
TV Globo e, em seguida, o SBT.
"Em geral, a referência erótica é
de caráter machista, sexista e preconceituosa. Os estereótipos sexuais e de gênero são muito usados
para fazer rir, em desrespeito à individualidade e aos direitos pessoais", analisa a pesquisa.
De acordo com o levantamento,
a cada 29 minutos, meninas e meninas recebem um estímulo erótico e uma imagem preconceituosa
ou deturpada sobre a mulher.
Como mostrou o levantamento
da ONU, reforçando descoberta
dos universitários do Rio, nem
mesmo as TVs educativas escapam
-isso porque, ao incluir desenhos
animados, reproduzem estereótipos e preconceitos sexuais.
Embora possam discordar dos
resultados e apontar exageros na
cobrança social, as emissoras não
conseguem se manter indiferentes
ao "Ibope politicamente correto"
-afinal, encontra crescente eco
entre pais e educadores, refletindo
na decisão de promotores e juízes.
Em 1996, o instituto Gallup ouviu
1.008 pessoas em São Paulo; 76,8%
se mostraram favoráveis à censura
prévia sobre a violência; 82,9%, para cenas sexuais.
No ano passado, o Ministério da
Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, colheu ânimo semelhante.
Dessa vez foram ouvidas 2 mil
pessoas em São Paulo, Rio, Recife,
Porto Alegre, Goiânia e Uberlândia. A maioria (75%) defendeu
mecanismos de controle externo
para avaliar a programação.
A razão do pedido: de cada 100
pais, 80 acreditam que a TV exerce
forte influência na formação dos
filhos - para 41%, essa influência
é negativa.
Por causa desse tipo de visão, o
governo americano determinou
que as televisões saíssem da fábrica
com um componente eletrônico
(v-chip) destinado aos pais para
regular o que entra em casa.
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