São Paulo, quarta, 28 de outubro de 1998

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TV brasileira exibe 20 crimes por hora de desenho


Mapeamento estatístico da ONU em seis emissoras abertas, concluído na sexta-feira passada, detecta 1.432 crimes em uma semana de desenhos animados; Band e Record são as que mais mostram homicídios


GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial

O Brasil está criando o Ibope politicamente correto, numa avaliação minuto a minuto da exploração de violência, sexo e discriminação. Esses dados se transformam em relatórios públicos para orientar pais, educadores e entidades não-governamentais de direitos humanos. É um mapeamento estatístico que resulta da crescente preocupação da sociedade com o conteúdo vale-tudo das programações, em meio a estudos acadêmicos, especialmente dos Estados Unidos, indicando suposta relação entre TV e comportamentos anti-sociais. Na semana passada, a ONU (Organização das Nações Unidas) concluiu análise de todos os desenhos animados em seis emissoras de TV aberta, transmitidos em agosto passado -as 71 horas de desenhos indicaram que, em média, a cada 60 minutos, aparecem 20 crimes, a maioria lesão corporal e homicídio.
A próxima fase, agora, é avaliar os filmes e, depois, os programas de auditórios, classificando as 24 horas de programação.
"A sociedade tem direito de saber, em detalhes, o que chega a suas casas", afirma o jurista Oscar Vieira, professor de direitos humanos da PUC em São Paulo e diretor-executivo do Ilanud, entidade da ONU que estuda a violência. Esse tipo de iniciativa é disseminada nos EUA, mas até agora incipiente no Brasil; nos EUA a tendência majoritária é atribuir à TV responsabilidade por desvios de conduta, num suposto estímulo à violência, permissividade sexual, discriminações e até drogas.
Representantes das emissoras acusam as entidades de uma dose de histeria politicamente correta. "Há muito exagero, atribuindo-se à TV males. Mas o fato é que vivemos num país permissivo. Em alguns países, nem sequer é possível passar propaganda durante a programação infantil", diz Beth Carmona, ex-diretora de programação da TV Cultura. O fato é que a TV está no foco, e a sociedade brasileira parece disposta a fiscalizar a programação. Pesquisa realizada pela Universidade Gama Filho, no ano passado, destinada à revista "Claudia", investigou a erotização e exploração da figura da mulher na programação infantil. A exemplo da ONU, eles também fizeram análise minuto a minuto. Em 151 horas de programação, os pesquisadores detectaram 308 cenas de erotização, apontando, em primeiro lugar, a TV Globo e, em seguida, o SBT.
"Em geral, a referência erótica é de caráter machista, sexista e preconceituosa. Os estereótipos sexuais e de gênero são muito usados para fazer rir, em desrespeito à individualidade e aos direitos pessoais", analisa a pesquisa.
De acordo com o levantamento, a cada 29 minutos, meninas e meninas recebem um estímulo erótico e uma imagem preconceituosa ou deturpada sobre a mulher.
Como mostrou o levantamento da ONU, reforçando descoberta dos universitários do Rio, nem mesmo as TVs educativas escapam -isso porque, ao incluir desenhos animados, reproduzem estereótipos e preconceitos sexuais.
Embora possam discordar dos resultados e apontar exageros na cobrança social, as emissoras não conseguem se manter indiferentes ao "Ibope politicamente correto" -afinal, encontra crescente eco entre pais e educadores, refletindo na decisão de promotores e juízes.
Em 1996, o instituto Gallup ouviu 1.008 pessoas em São Paulo; 76,8% se mostraram favoráveis à censura prévia sobre a violência; 82,9%, para cenas sexuais.
No ano passado, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, colheu ânimo semelhante.
Dessa vez foram ouvidas 2 mil pessoas em São Paulo, Rio, Recife, Porto Alegre, Goiânia e Uberlândia. A maioria (75%) defendeu mecanismos de controle externo para avaliar a programação.
A razão do pedido: de cada 100 pais, 80 acreditam que a TV exerce forte influência na formação dos filhos - para 41%, essa influência é negativa.
Por causa desse tipo de visão, o governo americano determinou que as televisões saíssem da fábrica com um componente eletrônico (v-chip) destinado aos pais para regular o que entra em casa.



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