São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002

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GASTRONOMIA

EUA

Movimento refuta alimentos cozidos e utiliza apenas ingredientes naturais

Nova cozinha americana chega à mesa nua e crua

DE NOVA YORK

O mundo poderia ser dividido entre as pessoas que tentam falar as aspas de uma palavra dita com sentido irônico, fazendo com os dedos pequenas curvas no ar, e as que acham o hábito ridículo. As primeiras dominam o ambiente da mais nova onda gastronômica a tomar os Estados Unidos.
É a raw-food, ou literalmente comida crua, em inglês, cujos praticantes são chamados aqui de raw-foodists, ou crudicistas. É isso mesmo: restaurantes que oferecem em seu cardápio apenas produtos crus e naturais, e nada vindo do reino animal, inclusive leite, ovos e seus derivados.
Visitar um destes restaurantes é encontrar um mar de aspas no cardápio e na explicação gestual dos garçons. Por exemplo: bolinhos de "camarão" (na verdade, de nozes) de entrada; no prato principal, "ravióli" (lâminas vegetais fechadas na forma do pastelzinho italiano e recheadas com cogumelo) e torta "cremosa" de coco na sobremesa (sem leite).
A onda começou -onde mais?- na Califórnia, berço de 90% dos modismos gastronômicos do país, e vem se espalhando aos poucos pelos EUA. Um dos principais teóricos é Stephen Arlin, autor do pioneiro "Natura's First Law - The Raw-Food Diet" (A Primeira Lei da Natureza - A Dieta da Comida Crua, editora Maul Brothers, 1998).
Está chegando a Nova York, que recebe sua primeira rede de raw-food, a Quintessence (www.quin tessencerestaurant.com), já com três endereços em Manhattan. Foi criada por Dan Hoyt, expert no assunto que dá aulas de gastronomia e avisa que se alimenta exclusivamente de alimentos crus há pelo menos três anos, sem uma recaída.
"Comer alimentos crus é antes de tudo um ato político, pois as grandes corporações estão envenenando as pessoas com comidas ultraprocessadas e destituídas de suas propriedades naturais", disse Dan Hoyt, que tem sua mulher, a também crudicista Tolentin Chan, como sócia na empresa.
Um de seus cursos mais disputados é o de Introdução à Raw-Food, US$ 100 por quatro horas, em que ele explica todos os aspectos da filosofia gastronômica, do tipo de cozinha que a pessoa deve ter em casa para só se alimentar de crus até os talheres especiais na preparação.
Pois que para ser considerado crudicista, o seu alimento deve ser preparado de acordo com uma cartilha draconiana. Por exemplo: nada pode ser guardado na geladeira. Se não pode ser conservada naturalmente, então a comida não serve. Água, só para lavar os alimentos, e sempre fria. Nada de pasteurização, nem conservas, muito menos enlatados.

Demi Moore
Os defensores da nova dieta brandem no ar estudos britânicos que apontam a baixa incidência de câncer e de ataques cardíacos em quem se alimenta principalmente de crus. "Além disso, gasta-se menos energia no processo da digestão", defendeu Stephen Arlin. Com ele concordam nomes como os dos atores Demi Moore e Robin Williams.
Já outros nutricionistas contestam a teoria. Segundo eles, uma dieta exclusivamente à base de vegetais vai tornar seu praticante carente da tirosina, substância ausente nos vegetais que ajuda a realizar a comunicação química adequada entre as células do cérebro humano, e da vitamina B12, importante suplemento que só existe nos animais.
Para a nutricionista Jyni Holland, do Centro Médico da Universidade de Nova York, "não há nenhuma evidência científica que indique que a ingestão de brócolis crus seja mais saudável para o organismo humano do que a ingestão de brócolis cozidos".
Ela lembra ainda que pessoas com o sistema imunológico comprometido, caso por exemplo de soropositivos, devem fazer exatamente o contrário: uma alimentação totalmente de cozidos, sem crus de qualquer espécie.
A discussão está só esquentando, mas ninguém toca no problema principal, que é o sabor.
Você sai de um banquete de raw-food com dois pensamentos. O primeiro é de que todas as comidas, não importa se entradas, pratos principais ou sobremesas, têm mais ou menos o mesmo gosto (será o gosto das aspas?). O segundo na verdade é aquela musiquinha. A da letra que diz assim: "Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial...".
(SÉRGIO DÁVILA)


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