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GASTRONOMIA
EUA
Movimento refuta alimentos cozidos e utiliza apenas ingredientes naturais
Nova cozinha americana chega à mesa nua e crua
DE NOVA YORK
O mundo poderia ser dividido
entre as pessoas que tentam falar
as aspas de uma palavra dita com
sentido irônico, fazendo com os
dedos pequenas curvas no ar, e as
que acham o hábito ridículo. As
primeiras dominam o ambiente
da mais nova onda gastronômica
a tomar os Estados Unidos.
É a raw-food, ou literalmente
comida crua, em inglês, cujos praticantes são chamados aqui de
raw-foodists, ou crudicistas. É isso mesmo: restaurantes que oferecem em seu cardápio apenas produtos crus e naturais, e nada
vindo do reino animal, inclusive
leite, ovos e seus derivados.
Visitar um destes restaurantes é
encontrar um mar de aspas no
cardápio e na explicação gestual
dos garçons. Por exemplo: bolinhos de "camarão" (na verdade,
de nozes) de entrada; no prato
principal, "ravióli" (lâminas vegetais fechadas na forma do pastelzinho italiano e recheadas com
cogumelo) e torta "cremosa" de
coco na sobremesa (sem leite).
A onda começou -onde
mais?- na Califórnia, berço de
90% dos modismos gastronômicos do país, e vem se espalhando
aos poucos pelos EUA. Um dos
principais teóricos é Stephen Arlin, autor do pioneiro "Natura's
First Law - The Raw-Food Diet"
(A Primeira Lei da Natureza - A
Dieta da Comida Crua, editora
Maul Brothers, 1998).
Está chegando a Nova York, que
recebe sua primeira rede de raw-food, a Quintessence (www.quin
tessencerestaurant.com), já com
três endereços em Manhattan. Foi
criada por Dan Hoyt, expert no
assunto que dá aulas de gastronomia e avisa que se alimenta exclusivamente de alimentos crus há
pelo menos três anos, sem uma
recaída.
"Comer alimentos crus é antes
de tudo um ato político, pois as
grandes corporações estão envenenando as pessoas com comidas
ultraprocessadas e destituídas de
suas propriedades naturais", disse Dan Hoyt, que tem sua mulher,
a também crudicista Tolentin
Chan, como sócia na empresa.
Um de seus cursos mais disputados é o de Introdução à Raw-Food, US$ 100 por quatro horas,
em que ele explica todos os aspectos da filosofia gastronômica, do
tipo de cozinha que a pessoa deve
ter em casa para só se alimentar
de crus até os talheres especiais na
preparação.
Pois que para ser considerado
crudicista, o seu alimento deve ser
preparado de acordo com uma
cartilha draconiana. Por exemplo:
nada pode ser guardado na geladeira. Se não pode ser conservada
naturalmente, então a comida
não serve. Água, só para lavar os
alimentos, e sempre fria. Nada de
pasteurização, nem conservas,
muito menos enlatados.
Demi Moore
Os defensores da nova dieta
brandem no ar estudos britânicos
que apontam a baixa incidência
de câncer e de ataques cardíacos
em quem se alimenta principalmente de crus. "Além disso, gasta-se menos energia no processo
da digestão", defendeu Stephen
Arlin. Com ele concordam nomes
como os dos atores Demi Moore e
Robin Williams.
Já outros nutricionistas contestam a teoria. Segundo eles, uma
dieta exclusivamente à base de vegetais vai tornar seu praticante carente da tirosina, substância ausente nos vegetais que ajuda a realizar a comunicação química adequada entre as células do cérebro
humano, e da vitamina B12, importante suplemento que só existe nos animais.
Para a nutricionista Jyni Holland, do Centro Médico da Universidade de Nova York, "não há
nenhuma evidência científica que
indique que a ingestão de brócolis
crus seja mais saudável para o organismo humano do que a ingestão de brócolis cozidos".
Ela lembra ainda que pessoas
com o sistema imunológico comprometido, caso por exemplo de
soropositivos, devem fazer exatamente o contrário: uma alimentação totalmente de cozidos, sem
crus de qualquer espécie.
A discussão está só esquentando, mas ninguém toca no problema principal, que é o sabor.
Você sai de um banquete de
raw-food com dois pensamentos.
O primeiro é de que todas as comidas, não importa se entradas,
pratos principais ou sobremesas,
têm mais ou menos o mesmo gosto (será o gosto das aspas?). O segundo na verdade é aquela musiquinha. A da letra que diz assim:
"Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial...".
(SÉRGIO DÁVILA)
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