São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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CRÍTICA

"O Aprendiz" de Justus cede à malemolência

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Tudo parece um pouquinho mais precário do que o original americano, mas ainda assim a versão brasileira de "O Aprendiz" tem se mostrado eficiente. A audiência respondeu com algum entusiasmo, Roberto Justus encontrou o tom e, o melhor, a aclimatação para o, digamos, caráter nacional tem sido espantosamente bem-sucedida.
Suspeitas de marmelada, subversão das regras, atmosfera emocional carregada: é o "jeitinho" brasileiro em sua melhor forma.
Um dos participantes é noivo de uma moça cuja família é anunciante dos canais onde é exibido o programa. Outro chora, range os dentes, faz chantagem emocional. Justus, na semana passada, não demitiu ninguém -aproveitando uma brecha circunstancial, se esquivou de decidir.
É quase uma piada de botequim, mas, no programa, o mundo corporativo "made in Brazil" incorpora a ginga, a malemolência, a informalidade.
Seria uma ilação muito arriscada supor que essa "tradução" ao dialeto nacional tem alguma espécie de equivalência com as diferenças reais dos mundos corporativos americano e brasileiro.
Mas aquilo que aparece em sua caricatura pode ser um sintoma de como os brasileiros imaginam ser.
Em primeiro lugar, é evidente o esforço de mimetismo. Encalacrado no meio de dois equívocos -o interminável "Sem Saída", que, apesar da simpatia de Márcio Garcia, não sai do lugar, e o ingovernável Tom Cavalcante, cuja pretensão é inversamente proporcional à sua capacidade de realização-, o "reality show" tem estado acima da média das produções off-Globo.
O tom de gincana adulta é o mesmo. O incentivo à competição desenfreada e desregrada é o mesmo. A idéia do trabalho como uma espécie de passaporte automático para um mundo de fantasia e privilégio é a mesma. Há que encontrar a transposição mais fiel de cada um dos elementos -as imagens da São Paulo acelerada, feérica, estão ali para confirmar essa possibilidade.
Mas é na figura do "patrão" que as comparações se tornam mais eloqüentes. O curioso é que, com suas diferenças, ambos são apropriadíssimos para o "papel". Se Donald Trump encarna à perfeição a truculência do mundo dos negócios norte-americano, o bom-mocismo de Justus personifica o desejo de "ser levado a sério" do mundo corporativo brasileiro.
Compenetrado, tentando parecer duro e implacável, Justus acaba cedendo, mais do que tudo, às suas simpatias (e antipatias) pessoais. E, ao contrário do que pretende sinalizar o mantra do programa -"Não é nada pessoal, são apenas negócios"-, a maneira de se conduzir de todos, em "O Aprendiz", é bastante pessoal.
O que não seria um problema em si, nem no programa, nem no mundo real, se a macaqueação dos métodos, estratégias, posturas e até da linguagem não fossem a regra em ambos.


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