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CRÍTICA
"O Aprendiz" de Justus cede à malemolência
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Tudo parece um pouquinho
mais precário do que o original americano, mas ainda assim
a versão brasileira de "O Aprendiz" tem se mostrado eficiente. A
audiência respondeu com algum
entusiasmo, Roberto Justus encontrou o tom e, o melhor, a aclimatação para o, digamos, caráter
nacional tem sido espantosamente bem-sucedida.
Suspeitas de marmelada, subversão das regras, atmosfera
emocional carregada: é o "jeitinho" brasileiro em sua melhor
forma.
Um dos participantes é noivo
de uma moça cuja família é
anunciante dos canais onde é
exibido o programa. Outro chora, range os dentes, faz chantagem emocional. Justus, na semana passada, não demitiu ninguém -aproveitando uma brecha circunstancial, se esquivou
de decidir.
É quase uma piada de botequim, mas, no programa, o mundo corporativo "made in Brazil"
incorpora a ginga, a malemolência, a informalidade.
Seria uma ilação muito arriscada supor que essa "tradução" ao
dialeto nacional tem alguma espécie de equivalência com as diferenças reais dos mundos corporativos americano e brasileiro.
Mas aquilo que aparece em sua
caricatura pode ser um sintoma
de como os brasileiros imaginam
ser.
Em primeiro lugar, é evidente o
esforço de mimetismo. Encalacrado no meio de dois equívocos
-o interminável "Sem Saída",
que, apesar da simpatia de Márcio Garcia, não sai do lugar, e o
ingovernável Tom Cavalcante,
cuja pretensão é inversamente
proporcional à sua capacidade
de realização-, o "reality show"
tem estado acima da média das
produções off-Globo.
O tom de gincana adulta é o
mesmo. O incentivo à competição desenfreada e desregrada é o
mesmo. A idéia do trabalho como uma espécie de passaporte
automático para um mundo de
fantasia e privilégio é a mesma.
Há que encontrar a transposição
mais fiel de cada um dos elementos -as imagens da São Paulo
acelerada, feérica, estão ali para
confirmar essa possibilidade.
Mas é na figura do "patrão"
que as comparações se tornam
mais eloqüentes. O curioso é que,
com suas diferenças, ambos são
apropriadíssimos para o "papel".
Se Donald Trump encarna à perfeição a truculência do mundo
dos negócios norte-americano, o
bom-mocismo de Justus personifica o desejo de "ser levado a
sério" do mundo corporativo
brasileiro.
Compenetrado, tentando parecer duro e implacável, Justus acaba cedendo, mais do que tudo, às
suas simpatias (e antipatias) pessoais. E, ao contrário do que pretende sinalizar o mantra do programa -"Não é nada pessoal,
são apenas negócios"-, a maneira de se conduzir de todos, em
"O Aprendiz", é bastante pessoal.
O que não seria um problema
em si, nem no programa, nem no
mundo real, se a macaqueação
dos métodos, estratégias, posturas e até da linguagem não fossem a regra em ambos.
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