|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Desencanto marca longas em Brasília
Festival tem ficções que exploram a derrota, em contraponto à leve esperança de futuro de filmes da safra anterior
Com opções estéticas diversas, novos filmes de Cláudio Assis, Helvécio Ratton e Carlos Cortez deixam otimismo de lado
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
A julgar pelos longas de ficção que concorrem aos prêmios do 39º Festival de Brasília, o desencanto venceu a esperança no novíssimo cinema
brasileiro. Talvez seja casual,
mas, à diferença do que ocorre
nos filmes da safra imediatamente anterior ("O Ano em que
Meus Pais Saíram de Férias",
"O Céu de Suely", "Proibido
Proibir", "Antônia"), nos quais
um vislumbre de futuro aliviava a dureza do presente dos
personagens, em "Querô", "Batismo de Fogo" e "Baixio das
Bestas" configura-se a derrota
irrevogável. É a confirmação
dos versos de Drummond: "O
mundo não tem mais remédio.
Os suicidas tinham razão".
Se algo aproxima esses três
filmes tão diversos na temática,
na ambientação e nas opções
estéticas, é a ausência de saídas.
Em "Querô", de Carlos Cortez, o filho de uma prostituta
suicida se vê condenado desde
o berço (ou da falta dele) a uma
vida de rejeição e desamparo, à
qual a única reação cabível é a
do ódio. Brutalidade contra
brutalidade, o círculo vicioso da
barbárie está concentrado nos
olhos ferozes do extraordinário
ator adolescente Maxwell Nascimento. Na paisagem de abandono dos arredores do porto de
Santos, que espelha em seus armazéns vazios e vagões de trens
enferrujados a alma exaurida
do protagonista, não há possibilidade de redenção, e a única
epifania que resta (a mãe ausente que surge no rosto de
uma prostituta) só podia ser
ilusória, mero delírio de um
moribundo.
Mundo misógeno
Um cenário de decadência e
estagnação também emoldura
-e em grande medida determina- a ação dos personagens de
"Baixio das Bestas", segundo
longa do pernambucano Cláudio Assis. Na comunidade que
subsiste em torno de um engenho de cana desativado, uma
adolescente é explorada sexualmente pelo avô, que a exibe
nua aos machos da região para
fins masturbatórios.
Os boçalizados jovens de
classe média do local se reúnem num cinema abandonado
para dar vazão a suas bebedeiras, curras e confusas especulações filosóficas. Nesse mundo
misógino e doentio, as mulheres apenas entram em cena para apanhar e serem vítimas de
abuso sexual.
A protagonista, que tem o nome revelador de Auxiliadora
(Mariah Teixeira), faz lembrar
a Mouchette de Robert Bresson. Mas, ao contrário desta última, que se suicida para fazer
frente ao horror, Auxiliadora se
entrega ao destino que podemos antever na figura das prostitutas locais de várias gerações. Outra vez, não há saída.
O paradoxo, em "Baixio", é
que esse mundo de homens
destrambelhados e mulheres
condenadas que o crítico Ismail Xavier qualificou de "uma
estação do inferno" é retratado
em imagens de uma beleza extraordinária, em longos planos
bem compostos, com a predileção já demonstrada anteriormente pelo diretor pela câmera
alta e pela iluminação parcial,
que quase sempre deixa zonas
de sombra no corpo e no entorno dos personagens. É difícil
saber quanto do filme é criação
de Assis e quanto se deve ao veterano diretor de fotografia
Walter Carvalho.
Por fim, há "Batismo de Sangue", de Helvécio Ratton, reconstituição do martírio do frei
dominicano Tito de Alencar,
que se enforcou em 1974 na
França, depois de ter sido torturado pela ditadura militar e
banido do Brasil.
Nesse longa-metragem, a redução da paleta cromática operada com maestria pelo experiente fotógrafo Lauro Escorel
vai além do intuito de reconstituição de época, remetendo ao
progressivo esgotamento da
seiva vital do protagonista (o
ótimo Caio Blat).
Cheio de energia e generosidade no início da narrativa, Tito vê a maldade do mundo vencer sua fé. Um tanto explicativo
e teatral na construção do painel histórico, o filme ganha
densidade ao se aprofundar no
drama do protagonista, cujo
corpo e cuja alma constituíram
um campo de batalha das forças da política e da religião. Um
campo devastado, como o porto
de "Querô" e o canavial incendiado de "Baixio".
O colunista José Geraldo Couto viajou a convite
do Festival de Brasília
Texto Anterior: Novo confronto entre Scorsese e Clint Eastwood Próximo Texto: Direção de festival avisa jurados que não quer empate entre premiados Índice
|