São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2008

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Crítica/teatro

"O Quarto" é experimentação bela e radical com obra de Pinter

Montagem de Roberto Alvim se baseia na atriz Juliana Galdino e em jogos de luzes

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro é por excelência aquilo que se dá a ver, ainda que as visões por ele propiciadas sejam obscuras e tecidas mais pelo que se ouve e pressente do que pelo que de fato se enxerga.
O espetáculo "O Quarto", que inaugura o espaço da companhia Club Noir, é uma experiência limite do dramaturgo Roberto Alvim. Tradutor e encenador do mítico primeiro texto do consagrado dramaturgo inglês Harold Pinter, Alvim promove uma dissecação em baixas temperaturas da peça e a reapresenta transfigurada, próxima de uma instalação minimalista. O pouco que se vê estimula a audição e o sexto sentido do espectador.
Um piso com finas poças de água, iluminado por luz fria e demarcado apenas por duas aberturas em cada uma de suas paredes laterais brancas, e por um filete de luz na também branca parede do fundo, é o gélido ambiente que recebe a presença estática de Juliana Galdino, ao fundo e na penumbra.
O longo prólogo se desdobrará em novas posições e em vários mínimos movimentos da personagem Rose. Intercalam-se momentos de escuridão completa com novas composições dela e dos outros personagens, sempre parados, dizendo pausadamente as falas, e escurecidos. As variações são apenas na configuração do breu e nas surpresas cenográficas que pontuam a narrativa -se está ainda muito longe do jogo dramático, articulado por personagens em colóquio informal.

Opções extremas
Pinter escreveu a peça em dois dias de 1957, aos 26 anos, para o ator Henry Woolf, que a produziu no Drama Studio da Universidade de Bristol.
Com a calorosa recepção da primeira montagem, ganhou passaporte para tornar-se o mais afamado dramaturgo inglês de sua geração.
Todas as características de sua obra posterior já aparecem em "O Quarto". Ali, se ensaia o que viria a ser chamado de "comédia da ameaça", com falas banais investidas de rara intensidade poética, sugestões de tramas nunca desveladas e malhas de relações enigmáticas.
Na montagem do Club Noir, dois personagens centrais, Bert, o marido de Rose que fala pouco e "dirige bem" seu caminhão, e Riley, o negro cego que, como um intruso, a visita em seu quarto e lhe pede, "em nome de seu pai", que volte com ele para casa, só aparecem na modulação de voz de Juliana Galdino. Ela os traz à cena, sem um gesto sequer, só enunciando suas falas.
A alternativa indica uma apropriação do universo de Pinter a fim de dilatá-lo para além da moldura naturalista, ao mesmo tempo em que há uma valorização inevitável da palavra falada, soando solitária como signo mais forte ao alcance do público.
Isto é levado a um extremo na cena crucial da peça: quando Bert encontra Rose com Riley, o espanca e parece matá-lo. Encenada sem atores, com um movimento gracioso de um projetor e a revelação em palavras escritas distribuídas no branco da tela, das falas lacônicas de Bert.
Como um poema concreto, o personagem soa silencioso diante de retinas já quase acostumadas aos desenhos escuros que vinham constituindo a narrativa. Radical e belo. O Club Noir promete ser um lugar de muita experimentação.


O QUARTO Quando: sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h; até 21/12
Onde: Club Noir (r. Augusta, 331, tel. 0/xx/11/3257-8129)
Quanto: R$ 10
Classificação: não indicado a menores de 18 anos
Avaliação: bom



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