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Crítica/teatro
"O Quarto" é experimentação bela e radical com obra de Pinter
Montagem de Roberto Alvim se baseia na atriz Juliana Galdino e em jogos de luzes
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O teatro é por excelência
aquilo que se dá a ver,
ainda que as visões por
ele propiciadas sejam obscuras
e tecidas mais pelo que se ouve
e pressente do que pelo que de
fato se enxerga.
O espetáculo "O Quarto", que
inaugura o espaço da companhia Club Noir, é uma experiência limite do dramaturgo
Roberto Alvim. Tradutor e encenador do mítico primeiro
texto do consagrado dramaturgo inglês Harold Pinter, Alvim
promove uma dissecação em
baixas temperaturas da peça e a
reapresenta transfigurada, próxima de uma instalação minimalista. O pouco que se vê estimula a audição e o sexto sentido do espectador.
Um piso com finas poças de
água, iluminado por luz fria e
demarcado apenas por duas
aberturas em cada uma de suas
paredes laterais brancas, e por
um filete de luz na também
branca parede do fundo, é o gélido ambiente que recebe a presença estática de Juliana Galdino, ao fundo e na penumbra.
O longo prólogo se desdobrará em novas posições e em vários mínimos movimentos da
personagem Rose. Intercalam-se momentos de escuridão
completa com novas composições dela e dos outros personagens, sempre parados, dizendo
pausadamente as falas, e escurecidos. As variações são apenas na configuração do breu e
nas surpresas cenográficas que
pontuam a narrativa -se está
ainda muito longe do jogo dramático, articulado por personagens em colóquio informal.
Opções extremas
Pinter escreveu a peça em
dois dias de 1957, aos 26 anos,
para o ator Henry Woolf, que a
produziu no Drama Studio da
Universidade de Bristol.
Com a calorosa recepção da
primeira montagem, ganhou
passaporte para tornar-se o
mais afamado dramaturgo inglês de sua geração.
Todas as características de
sua obra posterior já aparecem
em "O Quarto". Ali, se ensaia o
que viria a ser chamado de "comédia da ameaça", com falas
banais investidas de rara intensidade poética, sugestões de
tramas nunca desveladas e malhas de relações enigmáticas.
Na montagem do Club Noir,
dois personagens centrais,
Bert, o marido de Rose que fala
pouco e "dirige bem" seu caminhão, e Riley, o negro cego que,
como um intruso, a visita em
seu quarto e lhe pede, "em nome de seu pai", que volte com
ele para casa, só aparecem na
modulação de voz de Juliana
Galdino. Ela os traz à cena, sem
um gesto sequer, só enunciando suas falas.
A alternativa indica uma
apropriação do universo de
Pinter a fim de dilatá-lo para
além da moldura naturalista,
ao mesmo tempo em que há
uma valorização inevitável da
palavra falada, soando solitária
como signo mais forte ao alcance do público.
Isto é levado a um extremo
na cena crucial da peça: quando
Bert encontra Rose com Riley,
o espanca e parece matá-lo. Encenada sem atores, com um
movimento gracioso de um
projetor e a revelação em palavras escritas distribuídas no
branco da tela, das falas lacônicas de Bert.
Como um poema concreto, o
personagem soa silencioso
diante de retinas já quase acostumadas aos desenhos escuros
que vinham constituindo a narrativa. Radical e belo. O Club
Noir promete ser um lugar de
muita experimentação.
O QUARTO
Quando: sex. e sáb., às 21h, dom., às
20h; até 21/12
Onde: Club Noir (r. Augusta, 331, tel.
0/xx/11/3257-8129)
Quanto: R$ 10
Classificação: não indicado a menores
de 18 anos
Avaliação: bom
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