São Paulo, sábado, 28 de novembro de 1998

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Fora de ordem


Dois cineastas saem de suas áreas específicas: Ethan Coen lança livro de contos e Fred Zinnemann tem fotos suas expostas na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood


AMIR LABAKI
enviado especial a Los Angeles

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood abriga em uma de suas galerias a primeira mostra nos EUA da obra fotográfica do cineasta austríaco Fred Zinnemann (1907-1997).
Ao morrer em março do ano passado, apesar dos quatro Oscar na prateleira, Zinnemann foi esnobado por parte da crítica como menos que um artesão.
Sua pluralidade de registros foi apressadamente carimbada como falta de personalidade artística.
O exame de suas fotos, fundamental para a compreensão da faceta documental de sua filmografia, devolve foco ao debate.
Mr. Z, como era conhecido, foi um dos inúmeros artistas judeus que procuraram nos EUA do final dos anos 20 refúgio da perseguição nazista. Com apenas 22 anos, Zinnemann desembarcou em Nova York no exato dia do crack da bolsa, em outubro de 1929.
Procurava trabalho em Hollywood como operador de câmera cinematográfica, depois de dois anos de curso em Paris e de ter colaborado para Billy Wilder, Edgar Ulmer e Robert Siodmak nas filmagens em Berlim de "Gente de Domingo", misto de documentário e ficção que prenunciou a explosão neo-realista.
Ao ter o pedido de registro de trabalho negado pelo sindicado de fotógrafos, Zinnemann viu-se condenado a viver de bicos como assistente de direção. Em 1932, um destes serviços levava-o de volta a Nova York.
As fotos que começara a tirar no momento de sua chegada passam a se inserir no projeto de um livro específico.
As agruras da Depressão inviabilizaram a idéia. A partir de 1934, a carreira fílmica de Zinnemann começa a deslanchar, envolvendo-se com o célebre fotógrafo americano Paul Strand (1890-1976) nas filmagens no México de "Redes", outra "docuficção", dessa vez centrada na vida de pescadores. A gaveta tornou-se o destino das fotos nova-iorquinas.
Zinnemann só foi redescobri-las em 1989, já gozando de sua aposentadoria em Londres. Três anos depois o Victoria and Albert Museum combinou-as a fotos de filmagens numa ampla homenagem a Mr. Z na capital inglesa.
A presente mostra em Los Angeles reconstitui pela primeira vez o recorte original, centrado no cotidiano de Nova York. Manhattan mesmo, a inspiração primeira, só vai conhecê-la numa exposição algo ampliada prevista para março do ano que vem.
Zinnemann tinha um olho e tanto. Nenhuma das 45 imagens em exibição no térreo da Academia contenta-se com o enquadramento óbvio, à moda cartão-postal, de Nova York.
O confronto com os marcos da cidade não foi evitado. Zinnemann, porém, consegue imagens frescas e originais ao fotografá-los "através dos olhos de imigrante", na definição certeira de seu filho Tim, curador da mostra.
Reflexos são um dos recursos prediletos do jovem fotógrafo. Toda uma série dedica-se a instantâneos de Nova York distorcidos pelos efeitos da água. É impossível não relacionar a série fotográfica de Zinnemann com o hino melancólico a Amsterdã sob a chuva rodada quase simultaneamente pelo documentarista holandês Joris Ivens em "Rain" (1929).
Mr. Z dialoga com Ivens assim como com Walker Evans, um dos mestres da fotografia metropolitana dos EUA. Em suas imagens, a Manhattan do entreguerras já se encontrava infestada por painéis e néons, em geral publicitários.
Um edifício é progressivamente oculto por um megaoutdoor da Coca-Cola. Times Square fervilha com anúncios de cigarros, hotéis, shows e pastas de dentes. A febre de sinais contamina até as pessoas.
Um cego caminha pelas ruas com uma placa no peito que denuncia sua condição. Um miserável, qual homem-sanduíche, reclama de um banco o dinheiro consumido pela crise. Pessoas e coisas rimam na complexa Nova York fotográfica de Fred Zinnemann.
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O crítico Amir Labaki esteve em Los Angeles como conselheiro do 3º Congresso Internacional de Documentários

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O quê: Fred Zinnemann's New York Photographs (As Fotografias de Nova York de Fred Zinnemann)
Onde: Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Wilshire Boulveard, 8.949, Los Angeles, EUA)
Quando: de terça a sexta, das 10h às 17h, até 17 de janeiro de 1999
Quanto: grátis





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