São Paulo, sábado, 28 de novembro de 1998

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Ethan Coen estréia como contista em "Gates of Eden"

do enviado a Los Angeles

Ethan Coen deixou a parceria com o mano Joel para as telas ("Fargo") e lançou no mês passado em Nova York seu primeiro volume de contos, "Gates of Eden" (ed. Rob Weisbach Books). A noite de autógrafos lotou o último andar da livraria Barnes and Noble da Union Square.
O lançamento de "Gates of Eden" incluiu ainda a leitura de trechos de um dos contos por Steve Buscemi, um dos fiéis atores do sempre felliniano elenco dos irmãos Coen.
Sentado a seu lado, Ethan parecia mais tímido que nunca. Acabada a hilária leitura, não quis falar nada ou responder perguntas. Ao autografar, Ethan limitava-se a sorrir e confirmar cuidadosamente o nome de cada leitor.
O culto aos Coen na França ("Barton Fink" valeu-lhes a Palma de Ouro em Cannes-91) estimulou o lançamento simultâneo do livro naquele mercado, emprestando o título de outro conto, "J'ai Tué Phil Shapiro" (Eu Matei Phil Shapiro).
Uma das histórias foi adiantada pela edição de agosto dos "Cahiers", da mesma forma que três outros textos haviam sido testados no mercado americano nas revistas "Playboy", "The New Yorker" e "Vanity Fair".
Os 14 contos de "Gates of Eden" revelam um escritor de talento ainda em busca de sua voz. Em dez deles, Ethan caminha no terreno seguro da anedota policial que caracteriza seus principais filmes, de "Gosto de Sangue" (1984) a "Fargo" (1995) e "O Grande Lebowsky" (1998).
O conhecido brilho para monólogos auto-irônicos marca quatro contos. São sobretudo esquetes "noir", centrados nos típicos anti-heróis dos Coen.
Já na história de abertura, "Destiny" (Destino), encontramos Joe Carmody, um jovem intelectual que troca a universidade pelos ringues de boxe em torno de emoções fortes. É impossível não relacioná-lo com o filósofo-lutador criado por José Roberto Torero em seu curta "Canal 100".
Victor Strang, de "A Fever in the Blood" (Febre no Sangue), é um patético sucedâneo de Sam Spade que perde a audição do ouvido direito ao ter a orelha esquerda arrancada por uma mordida durante uma investigação.
Nada mais natural do que imaginar o desengonçado Jeff Bridges, o grande Lebowsky do cinema, repetir o tipo como o fiscal de pesos e medidas Joe Gendreau, enredado na trama de chantagem, sexo e contravenção do conto que empresta o nome à coletânea.
Ethan parece trocar o cinema pelo rádio em três outras histórias. "Hector Berlioz, "Private Investigator", "Johnnie Ga-Botz" e "The Old Boys" são autênticas radionovelas policiais, desenvolvidas exclusivamente por meio de diálogos e ruídos de cena. As duas primeiras são escancaradamente cômicas. A terceira, situada no mundo da espionagem londrina dos anos 80, ganha um progressivo acento amargo.
Mas quatro histórias revelam um Ethan Coen desconhecido, o verdadeiro contista que se liberta da roupagem de cineasta. "The Old Country" e "I Killed Phil Shapiro" são delicados estudos da infância e da adolescência em famílias judaicas.
"The Boys", por sua vez, reconstitui a perturbante relação de um esforçado pai e seu par de crianças distintamente disfuncionais. E, fechando o livro, há "Red Wing".
Ethan remete ao Camus de "O Estrangeiro" para narrar com maestria a violenta implosão de um casal de meia-idade da América profunda. É o parto de um verdadeiro escritor. (AL)



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