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Ethan Coen estréia como contista em "Gates of Eden"
do enviado a Los Angeles
Ethan Coen deixou a parceria
com o mano Joel para as telas
("Fargo") e lançou no mês passado
em Nova York seu primeiro volume de contos, "Gates of Eden" (ed.
Rob Weisbach Books). A noite de
autógrafos lotou o último andar da
livraria Barnes and Noble da
Union Square.
O lançamento de "Gates of
Eden" incluiu ainda a leitura de
trechos de um dos contos por Steve Buscemi, um dos fiéis atores do
sempre felliniano elenco dos irmãos Coen.
Sentado a seu lado, Ethan parecia
mais tímido que nunca. Acabada a
hilária leitura, não quis falar nada
ou responder perguntas. Ao autografar, Ethan limitava-se a sorrir e
confirmar cuidadosamente o nome de cada leitor.
O culto aos Coen na França
("Barton Fink" valeu-lhes a Palma
de Ouro em Cannes-91) estimulou
o lançamento simultâneo do livro
naquele mercado, emprestando o
título de outro conto, "J'ai Tué Phil
Shapiro" (Eu Matei Phil Shapiro).
Uma das histórias foi adiantada
pela edição de agosto dos "Cahiers", da mesma forma que três
outros textos haviam sido testados
no mercado americano nas revistas "Playboy", "The New Yorker" e
"Vanity Fair".
Os 14 contos de "Gates of Eden"
revelam um escritor de talento ainda em busca de sua voz. Em dez deles, Ethan caminha no terreno seguro da anedota policial que caracteriza seus principais filmes, de
"Gosto de Sangue" (1984) a "Fargo" (1995) e "O Grande Lebowsky"
(1998).
O conhecido brilho para monólogos auto-irônicos marca quatro
contos. São sobretudo esquetes
"noir", centrados nos típicos anti-heróis dos Coen.
Já na história de abertura, "Destiny" (Destino), encontramos Joe
Carmody, um jovem intelectual
que troca a universidade pelos ringues de boxe em torno de emoções
fortes. É impossível não relacioná-lo com o filósofo-lutador criado
por José Roberto Torero em seu
curta "Canal 100".
Victor Strang, de "A Fever in the
Blood" (Febre no Sangue), é um
patético sucedâneo de Sam Spade
que perde a audição do ouvido direito ao ter a orelha esquerda arrancada por uma mordida durante
uma investigação.
Nada mais natural do que imaginar o desengonçado Jeff Bridges, o
grande Lebowsky do cinema, repetir o tipo como o fiscal de pesos e
medidas Joe Gendreau, enredado
na trama de chantagem, sexo e
contravenção do conto que empresta o nome à coletânea.
Ethan parece trocar o cinema pelo rádio em três outras histórias.
"Hector Berlioz, "Private Investigator", "Johnnie Ga-Botz" e "The
Old Boys" são autênticas radionovelas policiais, desenvolvidas exclusivamente por meio de diálogos
e ruídos de cena. As duas primeiras são escancaradamente cômicas. A terceira, situada no mundo
da espionagem londrina dos anos
80, ganha um progressivo acento
amargo.
Mas quatro histórias revelam um
Ethan Coen desconhecido, o verdadeiro contista que se liberta da
roupagem de cineasta. "The Old
Country" e "I Killed Phil Shapiro"
são delicados estudos da infância e
da adolescência em famílias judaicas.
"The Boys", por sua vez, reconstitui a perturbante relação de um
esforçado pai e seu par de crianças
distintamente disfuncionais. E, fechando o livro, há "Red Wing".
Ethan remete ao Camus de "O
Estrangeiro" para narrar com
maestria a violenta implosão de
um casal de meia-idade da América profunda. É o parto de um verdadeiro escritor.
(AL)
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