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ARTES PLÁSTICAS
Mostra em Porto Alegre esclarece Iberê
CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Porto Alegre
Um dos méritos da 2ª edição da
Bienal do Mercosul, em cartaz em
Porto Alegre até o dia 9 de janeiro,
é o fato de proporcionar uma importante contribuição para a
compreensão da obra do pintor
Iberê Camargo (1914-1994).
Uma mostra antológica, com
cerca de 80 obras, entre pinturas,
desenhos e gravuras, apresenta a
produção do artista gaúcho com
uma coerência exemplar.
Esse era um dos objetivos da curadora Lisette Lagnado, que pretendeu apresentar a continuidade
existente entre as diversas fases
do pintor. Para isso, recorreu a
uma imagem arquetípica na produção de Iberê desde os anos 40:
os carretéis.
Segundo a curadora, os carretéis seriam uma representação da
memória, pois remetem aos seus
brinquedos de infância. "Carretéis que guardam os fios da memória são também como pássaros oníricos do pensamento, que
trazem para perto o distante, mas
que também distanciam as lembranças", escreve ela no início da
mostra, que traz, além de um pequeno texto seu, apenas uma biografia e frases do artista intercaladas às obras.
Em uma delas, Iberê explica sua
relação com a memória: "No meu
andarilhar de pintor, fixo a imagem que se me apresenta no agora, como retorno às coisas que
adormeceram na memória. Essas
devem estar escondidas no pátio
da infância. Gostaria de outra vez
ser criança para resgatá-las com
as mãos. Talvez foi o que fiz, pintando-as".
Lagnado chega a ser discreta no
conceito para a mostra ao relacionar os carretéis apenas à memória
do artista, uma vez que a própria
mostra deixa a impressão de que
Iberê quis falar muito mais com
seus carretéis.
Em alguns trabalhos, a presença
de carretéis isolados transmitem a
sensação de solidão e isolamento
tão prezada pelo artista. Mesmo
quando reunidos em grupos, o
que ressalta não é a organização
ou a comunhão dos elementos,
mas um equilíbrio precário típico
das relações humanas.
É interessante notar as transformações que os carretéis vão sofrendo com o passar dos anos e
como eles podem ser vistos como
representantes de outras relações,
que não apenas a do pintor com
sua memória.
Em alguns trabalhos, Iberê os
apresenta com cortes transversais
ou laterais, o que lhes dá características cubistas, como se pudessem ser vistos de frente e de lado
simultaneamente. Em outros, seu
orifício fica visível, como se o carretel estivesse sendo visto em um
aparelho de raio x.
Os carretéis perdem suas rígidas
e unívocas estruturas e podem ser
vistos como representações estilizadas de seres humanos (ou do
próprio artista, na medida em que
se trata de sua memória) ou mesmo de colunas prontas para estabelecer uma conexão entre a Terra e o infinito, como elementos de
uma paisagem arquitetônica.
Essas questões foram abordadas no livro "Conversações com
Iberê Camargo" (Iluminuras), da
própria curadora da mostra.
Na página 32, Iberê diz: "O pintor sempre encarna as figuras que
pinta. Ele as cria à sua imagem e
semelhança... Admito que minhas figuras se me assemelham".
Não é raro encontrar em suas figuras humanas a repetição das
formas básicas do carretel, agora
transformadas em pernas, mãos,
peitos e pés.
Sobre os carretéis, à página 27,
Iberê diz: "Minha pintura em nenhum momento abandonou a estruturação da fase dos carretéis.
Esses, embora pareçam soltos, livres no espaço (fundo) do quadro, estão solidamente interligados por linhas de força, como os
corpos celestes no sistema planetário".
Os carretéis, assim como boa
parte das imagens criadas por
Iberê, se portam como fantasmas
que retornam incessantemente.
Mesmo em uma de suas séries
mais conhecidas, "Ciclistas", em
que outra imagem arquetípica assume o lugar dos carretéis, o que
reencontramos são os próprios
carretéis transformados.
Na série "Ciclistas" há uma clara transformação das formas elementares dos carretéis. O corpo
do carretel vira a barra da bicicleta, sua base se transforma na roda
do veículo. Em alguns carretéis,
Iberê chega mesmo a desenhar linhas em suas bases, algo que lembra os aros das rodas das bicicletas. "Parece-me que minha pintura sempre procura resgatar o passado, reencontrar as coisas que
foram soterradas e ficaram perdidas no pátio", diz Iberê à página
41 de "Conversações com Iberê
Camargo".
Mostra: Iberê Camargo (desenhos,
gravuras e pinturas), parte integrante da
2ª Bienal do Mercosul
Curadora: Lisette Lagnado
Quando: de ter. a dom., das 10h às 22h.
Até 9 de janeiro
Onde: Museu de Arte do Rio Grande do
Sul (praça da Alfândega, s/nº, Porto
Alegre)
Patrocínio: Grupo Gerdau, Ipiranga,
Banco Real, Abifarma, Azaléia e Rio
Grande Energia
O jornalista Celso Fioravante viajou a
convite da organização do evento
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