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TEATRO
Radicado no Brasil há 45 anos, o cenógrafo italiano traça evolução histórica do ofício em novo livro
Vigia do teatro, Ratto lança "Antitratado"
VALMIR SANTOS
free-lance para a Folha
Em "Por Trás do Pano", o filme
de Luiz Villaça, ele atua como
porteiro de um teatro. Nas cenas,
o seu personagem repete um bordão: "Tubo bem, muito obrigado". E peleja para sintonizar um
radinho de pilha. Corta. Cortina.
"Eu sou mesmo um vigia do
teatro", ratifica Gianni Ratto, 83,
cenógrafo, diretor e ator italiano
remanescente da turma de encenadores conterrâneos que chegou
ao país no pós-guerra (Adolfo Celi, Ruggero Jacobbi).
Desde o início da carreira na Itália (1945), até a vinda para o Brasil
(1954), Ratto sempre perseguiu
uma "poética" presente dentro ou
fora do palco. Seu novo livro é
mais um exercício dessa busca.
"Antitratado de Cenografia
-Variações sobre o Mesmo Tema" traça a evolução da cenografia desde a Grécia antiga até os
dias que correm, sempre sob a
perspectiva do "homem de serrote e martelo", como se autodefine.
Ratto trabalhou com a soprano
Maria Callas (Piccolo Teatro de
Milão) e com o ator e diretor
Ziembinski. Sua última montagem em São Paulo foi "Vermouth" (1998), de Aimar Labaki.
Em entrevista à Folha, ele comenta o livro e a cenografia contemporânea.
Folha - Em "Antitratado", o sr.
volta a afirmar que a cenografia
morreu? Por quê?
Gianni Ratto - Quando se fala
que a cenografia morreu, é porque ela renasceu, perdeu aquele
papel decorativo e ganhou uma
função criativa. Penso que ela tem
de ser absorvida no conjunto de
elementos do teatro, como um
instrumento dentro de uma orquestra. Há os solistas, mas predomina uma forma homogênea.
É um conflito muito vago porque, até hoje, existe muita gente
que faz cenografia como ontem,
anteontem, assim como existem
os novos que procuram a identidade poética. O que me importa é
que o público nem perceba que o
cenário está no palco.
Folha - É como delegar ao espectador a construção imaginária do espaço cênico?
Ratto - É a relação ideal. O espaço aparentemente absorve tudo
que existe sobre o palco e você
participa de um drama emocional, crítico. Aquele espaço que envolve os personagens, que hoje
chamamos de cenografia, figurino, iluminação, cria seus valores
dramáticos visuais, aparentemente invisíveis, mas que, na realidade, são percebidos por quem
está assistindo. O deslocamento
do ator transforma o espaço a
partir da criatividade do público.
Folha - Sua condição de cenógrafo e diretor certamente colabora para essa percepção. O sr.
acredita que o cenógrafo precisa ampliar cada vez mais sua
forma de atuação?
Ratto - Acho que sim. Se a gente
fala de iluminação, por exemplo,
que é um dos aspectos que compõem o cenário, a gente vai trabalhar com cores, com luminosidades, ou seja, fatores fundamentais
para a criação. Eu acompanhei
ensaios de orquestra quando era
criança, o que me deu uma profunda compreensão da música.
Folha - O que o sr. quer dizer
com "cidadania teatral"?
Ratto - Sou uma pessoa muito
instintiva, mas racional por outro
lado. Não sou teórico, mas estou
sempre disponível. A minha disponibilidade está exatamente em
não poder definir, procurar além
da própria definição. Qualquer labor de um criador requer um cuidado, uma severidade, uma honestidade...Você pode não ser
criativo, mas seja profundamente
honesto. O resto é consequência.
Folha - O sr. dedica o livro a
Tomás Santa Rosa (1909-56) e
Flávio Império (1935-85). Como
foi a relação com os cenógrafos?
Ratto - Quando cheguei ao Brasil, em 1954, nem sabia que existia
Ziembinski ou Santa Rosa. Quando entrei em contato com eles,
percebi que havia mundos novos,
descortinei outra paisagem. O encontro com Santa Rosa e, mais
tarde, com Flávio Império, olhando panoramicamente para a história do teatro no Brasil, me leva a
uma imagem que até pode ser
simplista: eles equivalem a um
grande arco, sustentado por duas
colunas: Santa Rosa, de um lado,
Flávio, de outro. Cada um marcou um momento histórico. Santa Rosa, pela condição seminal
com "Vestido de Noiva", em 1943.
E Flávio, pela criatividade.
Folha - Como o sr. vê a incorporação de maquinários e efeitos tecnológicos?
Ratto - Existem dois aspectos
fundamentais: um é o da tradicional tecnologia, que ocupa os espaços que tem de ocupar; apesar de
estarmos perdendo a tecnologia
da construção do cenário, da magia. De outro lado, a tecnologia
fundamentada na informática,
que tem propostas absolutamente fantásticas. Se essa for incorporada positivamente, tudo bem.
Folha - Como é o relacionamento com as novas gerações
de cenógrafos?
Ratto - Eu dialogo muito bem,
tentando levá-los para o meu caminho, é lógico (risos). Alguns jovens propõem uma sopa já cozida, demonstrando uma habilidade fantástica. Mas eu procuro
uma sopa de feijão feita com muito amor, carinho. Não me interessa aquela receita do maître com
vários efeitos de sabores.
Folha - Em "A Mochila do Mascate" (96), há uma dedicatória
àqueles que o rotulam como
"reacionário, acadêmico e careta". Como reage a essas críticas?
Ratto - Se eu fosse ligar para o
que eles dizem sobre mim... Pertencemos a um mundo permanentemente em evolução. Com 83
anos, eu não poderia estar preocupado com academicismo.
Folha - O sr. participou de
dois filmes nacionais recentes:
"Sábado", de Ugo Giorgetti, e
"Por Trás do Pano", de Luiz Villaça. Como foi a experiência?
Ratto - Em "Sábado", eu fazia
um cadáver. Era o tipo de papel
que adoro, porque não tem texto.
Para mim, cinema é antitexto, é
imagem. Naquele caso, me identifiquei totalmente com a imobilidade. Em "Por Trás do Pano", o
porteiro é o homem que vigia o
teatro. Eu sou um vigia do teatro.
E também tinha outra coisa fantástica: eu repetia uma única frase. Me diverti muito.
Livro: Antitratado de Cenografia
-Variações sobre o Mesmo Tema
Autor: Gianni Ratto
Editora: Senac
Quanto: R$ 35 (188 págs.)
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