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FOTOGRAFIA
Em novo ensaio, norte-americano pretende explorar o lado multicultural da cidade francesa onde vive
William Klein prepara livro sobre Paris
AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Outro americano em Paris, William Klein, prepara um novo ensaio fotográfico sobre a capital
francesa. Klein, 73, é um mito da
fotografia e do documentário.
Uma bolsa de estudos para veteranos da Segunda Guerra levou-o
a Sorbonne. Estudou com Fernand Léger, trocou a pintura pela
fotografia, descobriu "O Homem
da Câmera" (1928) de Dziga Vertov, abraçou também o cinema.
Em seu segundo dia em Paris,
Klein cruzou olhares com "a mais
bela mulher do mundo", Jeanne,
até hoje sua inseparável companheira. Jamais cruzou o Atlântico
de volta.
Encerrando as celebrações do
Porto como capital européia da
cultura em 2001, a primeira edição do festival Odisséia na Imagens homenageou Klein com
uma retrospectiva de sua obra cinematográfica e uma exposição
de fotos, "Mode in and out", reunindo imagens registradas em
Roma, Paris e Nova York entre
1958 e 1993.
Entre os filmes exibidos, destacaram-se seu curta de estréia,
"Broadway by Light" (1958), todo
focado nos letreiros coloridos da
capital do teatro nova-iorquino.
Ninguém menos que Orson Welles o definiu como "o primeiro
filme em que a cor é totalmente
necessária".
Nos engajados anos 60, Klein
assinou um dos episódios do filme-manifesto "Longe do Vietnã"
(1968), ao lado de Chris Marker e
Jean-Luc Godard, e dirigiu um retrato de Eldridge Cleaver, um dos
líderes dos "panteras negras". Seu
mais recente filme, "Le Messie"
(1999), gira em torno das mais variadas versões da clássica peça de
Handel.
Ao lado de sua mulher francesa,
Jeanne, Klein conversou com a
Folha no Porto, durante um almoço tipicamente português.
"Quando viajo, gosto de descobrir novas comidas. Mas nunca
dou sorte", reclamou, sorrindo.
Apesar de ter passado até hoje
apenas 36 horas no Brasil, Klein
relembrou os brasileiros com
quem cruzou vida afora, artistas
da raquete (Guga, Kirmayr) e da
câmera (Sebastião Salgado, Ruy
Guerra).
Falou ainda sobre sua estréia
em cinema e sobre seu atual projeto: um álbum fotográfico sobre
Paris, como aqueles que dedicou
a Nova York, Tóquio, Roma e
Moscou. Leia abaixo uma síntese
do encontro.
BRASIL
"Estive no Rio por apenas 36
horas há 12 anos. Era o festival de
cinema do Rio, para o qual fui
convidado por Jean-Gabriel Albicocco. Estava muito ocupado,
desci do avião, fiquei um dia e fui
embora. Perguntaram-me se queria ir a um jogo no Maracanã. Claro que disse que sim. Levaram-nos num ônibus com batedores
em motos, da porta do hotel até a
porta do estádio. Tinham medo
de nosso contato com "favelados".
Não vi nada."
GUGA
"No último torneio de Roland
Garros, contrataram-me para fazer um dos três ensaios fotográficos oficiais. Cobri Guga. Ele me
pareceu muito simples. Encerrei a
série de fotos focalizando a torcida dele, com faixas e bandeiras dizendo "ordem e progresso", no
exato momento em que celebra o
último ponto. É um entusiasmo
raríssimo em Roland Garros."
KIRMAYR
"Nos anos 80, contrataram-me
para rodar o documentário oficial
sobre Roland Garros. Foi o último
ano de Bjorn Borg. Trabalhei com
várias equipes. Organizei inclusive uma de mulheres para rodar
no vestiário feminino. Fiquei amigo de poucos tenistas. Noah foi
um deles. Kirmayr, outro. Era
muito inteligente, coisa rara entre
os jogadores. Toca jazz. Tinha
pernas em arco. Ficou famoso pelas jogadas surpreendentes que
fazia. Jamais venceu lá, mas naquele torneio venceu vários jogadores de maior renome."
SALGADO
"É um bom amigo e grande fotógrafo. Sua última série, "Migrações", criou muita polêmica na
França. Acusam-no de explorar a
grande miséria do mundo. Não é
justo, mas há um ponto."
RUY GUERRA
"Longe do Vietnã" foi um projeto estranho. Chris Marker começou tudo e nos chamou: eu,
Resnais, Godard, Ivens, Lelouch,
depois Agnes Varda e Ruy Guerra. Os filmes de Guerra e Varda ficaram de fora da versão final. Foi
decisão de Marker, responsável
pela organização do material.
Guerra fez um filme contra o
imperialismo americano. Mostrava plantadores franceses de alcachofras atirando ao mar sua produção, em protesto contra os
EUA. Varda quis tratar dos enlouquecidos pela guerra. Mostra um
homem que vê vietnamitas dentro do supermercado. Marker o
deixou de fora, dizendo que aquilo nada tinha a ver com um filme
que se pretendia militante."
ESTRÉIA
"Comecei como pintor abstrato. Influenciado pela Bauhaus,
queria fazer de tudo: pintar, fotografar, filmar. Meu primeiro livro
como fotógrafo, "Life is Good and
Good for You in New York", foi
recusado por todos os editores
americanos. Consideraram-no
sombrio, árduo demais. Chris
Marker o editou na França. Foi
quando o conheci, e logo depois
Alain Resnais. Eles me disseram
que deveria então fazer um filme.
Como o livro era em preto-e-branco, decidi rodar um filme colorido, também sobre Nova York.
Pensei logo na Broadway. E fiz
"Broadway by Light" (1958)."
NOVO PROJETO
"Estou preparando um livro sobre Paris. É muito difícil. Há milhares deles. Estou tentando mostrar o lado multicultural da cidade. Fugir da imagem típica do
francês branco que beija a francesa na rua, como em Cartier-Bresson. Fotografo todas as etnias.
Mostro que é um "melting pot" como Nova York."
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