São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2001

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FOTOGRAFIA

Em novo ensaio, norte-americano pretende explorar o lado multicultural da cidade francesa onde vive

William Klein prepara livro sobre Paris

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Outro americano em Paris, William Klein, prepara um novo ensaio fotográfico sobre a capital francesa. Klein, 73, é um mito da fotografia e do documentário.
Uma bolsa de estudos para veteranos da Segunda Guerra levou-o a Sorbonne. Estudou com Fernand Léger, trocou a pintura pela fotografia, descobriu "O Homem da Câmera" (1928) de Dziga Vertov, abraçou também o cinema.
Em seu segundo dia em Paris, Klein cruzou olhares com "a mais bela mulher do mundo", Jeanne, até hoje sua inseparável companheira. Jamais cruzou o Atlântico de volta.
Encerrando as celebrações do Porto como capital européia da cultura em 2001, a primeira edição do festival Odisséia na Imagens homenageou Klein com uma retrospectiva de sua obra cinematográfica e uma exposição de fotos, "Mode in and out", reunindo imagens registradas em Roma, Paris e Nova York entre 1958 e 1993.
Entre os filmes exibidos, destacaram-se seu curta de estréia, "Broadway by Light" (1958), todo focado nos letreiros coloridos da capital do teatro nova-iorquino. Ninguém menos que Orson Welles o definiu como "o primeiro filme em que a cor é totalmente necessária".
Nos engajados anos 60, Klein assinou um dos episódios do filme-manifesto "Longe do Vietnã" (1968), ao lado de Chris Marker e Jean-Luc Godard, e dirigiu um retrato de Eldridge Cleaver, um dos líderes dos "panteras negras". Seu mais recente filme, "Le Messie" (1999), gira em torno das mais variadas versões da clássica peça de Handel.
Ao lado de sua mulher francesa, Jeanne, Klein conversou com a Folha no Porto, durante um almoço tipicamente português. "Quando viajo, gosto de descobrir novas comidas. Mas nunca dou sorte", reclamou, sorrindo.
Apesar de ter passado até hoje apenas 36 horas no Brasil, Klein relembrou os brasileiros com quem cruzou vida afora, artistas da raquete (Guga, Kirmayr) e da câmera (Sebastião Salgado, Ruy Guerra).
Falou ainda sobre sua estréia em cinema e sobre seu atual projeto: um álbum fotográfico sobre Paris, como aqueles que dedicou a Nova York, Tóquio, Roma e Moscou. Leia abaixo uma síntese do encontro.

BRASIL
"Estive no Rio por apenas 36 horas há 12 anos. Era o festival de cinema do Rio, para o qual fui convidado por Jean-Gabriel Albicocco. Estava muito ocupado, desci do avião, fiquei um dia e fui embora. Perguntaram-me se queria ir a um jogo no Maracanã. Claro que disse que sim. Levaram-nos num ônibus com batedores em motos, da porta do hotel até a porta do estádio. Tinham medo de nosso contato com "favelados". Não vi nada."

GUGA
"No último torneio de Roland Garros, contrataram-me para fazer um dos três ensaios fotográficos oficiais. Cobri Guga. Ele me pareceu muito simples. Encerrei a série de fotos focalizando a torcida dele, com faixas e bandeiras dizendo "ordem e progresso", no exato momento em que celebra o último ponto. É um entusiasmo raríssimo em Roland Garros."

KIRMAYR
"Nos anos 80, contrataram-me para rodar o documentário oficial sobre Roland Garros. Foi o último ano de Bjorn Borg. Trabalhei com várias equipes. Organizei inclusive uma de mulheres para rodar no vestiário feminino. Fiquei amigo de poucos tenistas. Noah foi um deles. Kirmayr, outro. Era muito inteligente, coisa rara entre os jogadores. Toca jazz. Tinha pernas em arco. Ficou famoso pelas jogadas surpreendentes que fazia. Jamais venceu lá, mas naquele torneio venceu vários jogadores de maior renome."

SALGADO
"É um bom amigo e grande fotógrafo. Sua última série, "Migrações", criou muita polêmica na França. Acusam-no de explorar a grande miséria do mundo. Não é justo, mas há um ponto."

RUY GUERRA
"Longe do Vietnã" foi um projeto estranho. Chris Marker começou tudo e nos chamou: eu, Resnais, Godard, Ivens, Lelouch, depois Agnes Varda e Ruy Guerra. Os filmes de Guerra e Varda ficaram de fora da versão final. Foi decisão de Marker, responsável pela organização do material.
Guerra fez um filme contra o imperialismo americano. Mostrava plantadores franceses de alcachofras atirando ao mar sua produção, em protesto contra os EUA. Varda quis tratar dos enlouquecidos pela guerra. Mostra um homem que vê vietnamitas dentro do supermercado. Marker o deixou de fora, dizendo que aquilo nada tinha a ver com um filme que se pretendia militante."

ESTRÉIA
"Comecei como pintor abstrato. Influenciado pela Bauhaus, queria fazer de tudo: pintar, fotografar, filmar. Meu primeiro livro como fotógrafo, "Life is Good and Good for You in New York", foi recusado por todos os editores americanos. Consideraram-no sombrio, árduo demais. Chris Marker o editou na França. Foi quando o conheci, e logo depois Alain Resnais. Eles me disseram que deveria então fazer um filme. Como o livro era em preto-e-branco, decidi rodar um filme colorido, também sobre Nova York. Pensei logo na Broadway. E fiz "Broadway by Light" (1958)."

NOVO PROJETO
"Estou preparando um livro sobre Paris. É muito difícil. Há milhares deles. Estou tentando mostrar o lado multicultural da cidade. Fugir da imagem típica do francês branco que beija a francesa na rua, como em Cartier-Bresson. Fotografo todas as etnias. Mostro que é um "melting pot" como Nova York."



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