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NINA HORTA
A comida do futuro (parte 1)
Algas e pílulas batem
de frente com a comida tradicional e seus valores
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NUNCA DÁ tempo de fazer um
estudo sério e completo numa crônica bastante pequena, não é? Mas, como estamos chegando ao fim do ano, podemos fazer
um vôo de pássaro e nos interrogarmos e interrogarmos aos livros, com
curiosidade: como será a comida do
futuro? De 2006 em diante, pelo
menos? Há pouco tempo saiu um livro, "Meals to Come" (Warren Belasco, ed. University of California
Press), bastante bom. Num pequeno
capítulo, o autor fez um apanhado
das feiras de alimentação, só para
avivar a memória e tentar ver como
caminha o prato feito.
A feira de Chicago de 1939 dizia
em grandes banners: "A ciência descobre, a indústria aplica e o homem
se adapta". Ou: "Homem - química
-comida". Havia na feira uma fazenda com um trator controlado a rádio. O estande da Heinz mostrava um robô dançando num jardim hidropônico futurista.
Apareciam muitos Mickeys e Plutos nas tendas preferidas pelo público, para que eles, estes pequenos heróis engraçados desviassem a atenção do fato de que tanto o público como os cientistas não sabiam muito ou quase nada sobre como esse
futuro automatizado seria alcançado sem causar maiores problemas.
A aparência totalmente controlada das cozinhas -laboratórios- e
das cozinheiras -engenheiras, com
aquelas irritantes touquinhas de rede- eram modernas apenas no aspecto, o resto era a própria casa da avó, disfarçada com pequenos melhoramentos elétricos, mas de touca e tudo.
Nos anos 40, por incrível que pareça, aquele mundo do futuro já tinha se tornado uma fantasia distante. Já se pesquisava a alga chrorella,
de alta proteína, que crescia rapidamente usando recursos inexauríveis
de sol e óxido de carbono. Era o auge
do modernismo. Que fazenda que
nada, vamos esquecer a terra e comer o mar com todas as suas algas.
Os espíritos mais desenvolvidos asseguravam que a engenharia mecânica e a química induziriam o público a comer de tudo, até hambúrgueres verdes. Talvez essa comida não agradasse aos gastrônomos, mas os
comuns dos mortais não se importariam com o sabor, só com os valores
contidos no alimento. (E sempre haveria um vidro de catchup para disfarçar o sabor de mar.)
Ah, grandes pesquisas, mas foi um
sem-fim de problemas, era caro demais, a alga dava um trabalhão dos
infernos. Adivinharam? A alga não
funcionou, o que emplacou foram os
grãos e a soja.
O modernismo foi percebido como extremamente ascético e elitista, e a comida científica não agradou
às massas. Tomava-se uma pílula
aqui, outra ali, mas o povo resistia
àqueles que queriam modernizar
tudo, especialmente quando a dieta
tirava o prazer de comer, quando ignorava o papel da comida, que era o
de congregar, chamar atenção para a
conversa, para o prazer, para o ambiente em torno.
A comida-gostosa, a comida-remédio e a comida-científica de aditivos, hormônios de crescimento, pesticidas e preservantes se entrechocaram. Uns confiavam em tudo que se dizia moderno, outros achavam que "a comida esterilizada cheirava a cachorro molhado". Na realidade, tanto a alga como a pílula bateram de frente com a comida tradicional e seus valores.
Nas feiras dos anos 60 surgiu de
novo, pois nunca havia morrido, a
comida fresca -e o Four Seasons, o
restaurante mais moderno de Nova
York, tinha um cardápio de pratos
americanos regionais e outro tanto
de comida étnica. Era um lugar repousante com gente fazendo coisas
saborosas. Estava mesmo em vias de
desaparecer a comida antisséptica,
tão louvada nas décadas passadas.
Continuamos com esse assunto
na próxima semana.
ninahorta@uol.com.br
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