São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

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NINA HORTA

A comida do futuro (parte 1)


Algas e pílulas batem de frente com a comida tradicional e seus valores

NUNCA DÁ tempo de fazer um estudo sério e completo numa crônica bastante pequena, não é? Mas, como estamos chegando ao fim do ano, podemos fazer um vôo de pássaro e nos interrogarmos e interrogarmos aos livros, com curiosidade: como será a comida do futuro? De 2006 em diante, pelo menos? Há pouco tempo saiu um livro, "Meals to Come" (Warren Belasco, ed. University of California Press), bastante bom. Num pequeno capítulo, o autor fez um apanhado das feiras de alimentação, só para avivar a memória e tentar ver como caminha o prato feito.
A feira de Chicago de 1939 dizia em grandes banners: "A ciência descobre, a indústria aplica e o homem se adapta". Ou: "Homem - química -comida". Havia na feira uma fazenda com um trator controlado a rádio. O estande da Heinz mostrava um robô dançando num jardim hidropônico futurista.
Apareciam muitos Mickeys e Plutos nas tendas preferidas pelo público, para que eles, estes pequenos heróis engraçados desviassem a atenção do fato de que tanto o público como os cientistas não sabiam muito ou quase nada sobre como esse futuro automatizado seria alcançado sem causar maiores problemas.
A aparência totalmente controlada das cozinhas -laboratórios- e das cozinheiras -engenheiras, com aquelas irritantes touquinhas de rede- eram modernas apenas no aspecto, o resto era a própria casa da avó, disfarçada com pequenos melhoramentos elétricos, mas de touca e tudo.
Nos anos 40, por incrível que pareça, aquele mundo do futuro já tinha se tornado uma fantasia distante. Já se pesquisava a alga chrorella, de alta proteína, que crescia rapidamente usando recursos inexauríveis de sol e óxido de carbono. Era o auge do modernismo. Que fazenda que nada, vamos esquecer a terra e comer o mar com todas as suas algas.
Os espíritos mais desenvolvidos asseguravam que a engenharia mecânica e a química induziriam o público a comer de tudo, até hambúrgueres verdes. Talvez essa comida não agradasse aos gastrônomos, mas os comuns dos mortais não se importariam com o sabor, só com os valores contidos no alimento. (E sempre haveria um vidro de catchup para disfarçar o sabor de mar.)
Ah, grandes pesquisas, mas foi um sem-fim de problemas, era caro demais, a alga dava um trabalhão dos infernos. Adivinharam? A alga não funcionou, o que emplacou foram os grãos e a soja.
O modernismo foi percebido como extremamente ascético e elitista, e a comida científica não agradou às massas. Tomava-se uma pílula aqui, outra ali, mas o povo resistia àqueles que queriam modernizar tudo, especialmente quando a dieta tirava o prazer de comer, quando ignorava o papel da comida, que era o de congregar, chamar atenção para a conversa, para o prazer, para o ambiente em torno.
A comida-gostosa, a comida-remédio e a comida-científica de aditivos, hormônios de crescimento, pesticidas e preservantes se entrechocaram. Uns confiavam em tudo que se dizia moderno, outros achavam que "a comida esterilizada cheirava a cachorro molhado". Na realidade, tanto a alga como a pílula bateram de frente com a comida tradicional e seus valores.
Nas feiras dos anos 60 surgiu de novo, pois nunca havia morrido, a comida fresca -e o Four Seasons, o restaurante mais moderno de Nova York, tinha um cardápio de pratos americanos regionais e outro tanto de comida étnica. Era um lugar repousante com gente fazendo coisas saborosas. Estava mesmo em vias de desaparecer a comida antisséptica, tão louvada nas décadas passadas.
Continuamos com esse assunto na próxima semana.

ninahorta@uol.com.br


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