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Livro debate França e EUA na cultura
"Culture in America", de Frederic Martel, discorre sobre métodos americanos de lidar com a arte para estimular discussão francesa
Autor contesta idéia de que
cultura organizada pelo
Estado seja totalmente boa, e
a dominada pelo mercado,
necessariamente ruim
ALAN RIDING
DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS
Desde a Segunda Guerra, as
reações dos franceses à cultura
americana e ao seu efeito sobre
o mundo se alternam entre a
surpresa, o desapontamento e a
indignação. O único consolo,
para eles, é a convicção de que a
cultura francesa é superior a
qualquer coisa que Walt Disney
e Hollywood possam oferecer.
O que as elites culturais francesas raramente fizeram foi
examinar a forma como a cultura séria e a pop funcionam
nos EUA. Em vez disso, avalia o
francês Frederic Martel, cujo
livro sobre esse tema foi lançado recentemente, preferiram
se ocultar por trás de um "anti-americanismo ideológico".
Martel, 39, ex-adido cultural
francês em Boston, propõe mudar essa visão. Em "Culture in
America", contesta a idéia de
que a cultura (francesa) organizada pelo governo seja inteiramente boa, e a americana, dominada pelas forças de mercado, seja necessariamente ruim.
"Queria comparar França e
EUA, mas não se pode comparar um verdadeiro continente a
um pequeno país, uma nação
descentralizada a outra com
centralização fortíssima", diz.
Assim, o livro trata só do financiamento às artes e à criatividade nos EUA. O que surpreende, dado o medo e o desdém que a cultura americana
suscita entre os franceses, é que
a abordagem não busca criar
polêmica. Martel não defende
nem ataca os EUA, apenas descreve os métodos americanos
de lidar com a cultura.
"A idéia era determinar como funciona o "contramodelo".
Se o objetivo é combater o "imperialismo" americano, é preciso conhecê-lo por dentro. Se queremos modernizar nosso
sistema, é útil observar como as
coisas podem funcionar sem
investimento público maciço."
A resposta da imprensa francesa ao livro sugere espaço para
debate. A revista "L'Express" o
chamou de "instigante", e a "Le
Nouvel Observateur" o comparou a "American Vertigo: Traveling America in the Footsteps of Tocqueville", de Bernard-Henri Levy, ressaltando
que Martel trata de fatos, e não
de impressões. No "Le Monde",
Michel Guerrin e Emmanuel
de Roux apontaram a pesquisa
como ponto forte. Outro artigo
comparava as estatísticas sobre
a cultura americana recolhidas
por Martel com dados franceses. A conclusão era que, em
termos de investimento per capita, os gastos dos dois países
com a cultura são semelhantes.
Sem ministério
A primeira metade de "Culture in America" -título que
ecoa "A Democracia na América", de Tocqueville- trata de
uma questão que intriga franceses: por que os EUA não têm
Ministério da Cultura? Uma
resposta é que ele pode ser uma
ameaça à liberdade artística.
Mas Martel demonstra que
Washington tem um bom retrospecto de ativismo cultural:
por meio da Works Progress
Administration, que financiou
o trabalho de dramaturgos,
produtores, escritores e artistas, na presidência de Roosevelt; por meio do apoio da Casa Branca a artistas, na era Kennedy; e com a criação do National Endownment for the Arts.
Martel discorre sobre as
guerras culturais, começando
pelo cancelamento de uma exposição de Robert Mapplethorpe na Corcoran Gallery of Art, em Washington, em 1989, por
preocupações quanto ao seu
conteúdo, o que levou à realização de uma campanha contra o
National Endownment for the
Arts no Congresso. O orçamento do fundo de apoio às artes
ainda não recuperou os níveis
dos anos 80. Estimado em US$
125 milhões para 2006, é equivalente à quantia que o governo
francês dedicou só à Ópera Nacional de Paris neste ano.
O que intriga Martel é que a
cultura americana floresça
apesar da indiferença do governo. Isso o leva a tratar do papel
das fundações sem fins lucrativos, filantropos, empresas patrocinadoras, universidades e
organizações comunitárias,
que recebem apoio indireto na
forma de incentivos fiscais. "Se
não há um Ministério da Cultura, a vida cultural, ao contrário,
existe em todo o país", escreve.
Ele considera esse um fator
positivo. Martel visitou os EUA
pela primeira vez em 1999, para
promover o livro "The Pink and
the Black: Homosexuals in
France Since 1986", e conhecia
pouco do país ao chegar a Boston, em 2000. Após estudar a
história da cultura americana
em bibliotecas e arquivos, partiu para uma série de viagens
para descobri-la tal qual ela é
vivida hoje. "Eu passava todas
as minhas férias viajando", disse. "Fiz mais de 700 entrevistas, em 35 Estados.
As universidades americanas foram uma
revelação. Na França, elas não
têm papel cultural importante.
Procurei gays, feministas, latinos, artistas de vanguarda.
Uma das prioridades era visitar
comunidades negras, reuniões
de associações, espetáculos de
teatro de rua, clubes de poesia."
Uniformidade
O mesmo país que abriga tamanha diversidade é acusado
de impor uniformidade cultural ao mundo. Em 2005, os
EUA votaram contra uma resolução de promoção da diversidade cultural patrocinada pela França, aprovada em assembléia da Unesco. A aparente
contradição era justificada de
forma simples: Washington se
tinha curvado à pressão de
Hollywood, para a qual a convenção ameaçava a exportação
de filmes e programas de TV.
Martel vê hipocrisia na posição francesa. "Os americanos
defendem a diversidade cultural em seu país e a negam no exterior, enquanto a França defende a diversidade cultural no
mundo e a recusa em casa". É
quanto a isso que ele deseja que
a França aprenda com os EUA.
"Me incomoda que nossa elite cultural empregue a ideologia para proteger seus privilégios. Para a elite, nossa cultura
define uma idéia do que é França, e a alternativa seria a americanização. Mas ela está só se defendendo das classes populares. Não é possível ter 10% de
população imigrante e negar
sua cultura." Para promover a
cultura de base, propõe poderes decisórios descentralizados. "O governo continuará financiando a arte, mas sem um
ministro que defina cultura.
Precisamos de milhares de pessoas trabalhando nessa definição. O poder deveria ter origem nas camadas baixas. É esse o
debate que quero estimular."
Tradução PAULO MIGLIACCI
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