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SUNDANCE
"Compensation" e "Urbania" destacam-se pela forma narrativa
Festival recupera prestígio
AMIR LABAKI
enviado especial a Park City
Sejam quais forem os premiados desta noite do Sundance
2000, que acaba amanhã, o maior
triunfo do evento é desde logo a
recuperação do prestígio. A mostra competitiva para produções
independentes de ficção alcançou
uma qualidade média sensivelmente superior a de suas edições
anteriores. Com a disputa de documentários mantendo o perfil
elevado dos últimos anos, o Sundance Festival adentra o século 21
reafirmando-se como a principal
mostra de cinema dos EUA.
"Compensation" (Compensação), de Zeinabu Irene Davis, e
"Urbania", de Jon Shear, confirmaram-se como os títulos mais
empenhados em investigar estruturas narrativas menos convencionais. Nenhum deles alcança o
patamar dos experimentos plenamente logrados, sobretudo o filme de Shear, mas ofereceram os
raros respiros de invenção no
conjunto da disputa.
Zeinabu Irene Davis desenvolveu seu longa de estréia a partir de
um breve poema romântico de
Paul Laurence Dunbar (1872-1906), um dos primeiros autores
afro-americanos a tornar-se uma
celebridade. "Compensation" desenvolve duas histórias de amor
paralelas, situadas ambas em Chicago, uma no início e outra no fim
do século 20.
Ambas dramatizam as dificuldades para o relacionamento entre jovens mulheres com deficiência auditiva e parceiros inexperientes. Bem ao sabor romântico,
os dois casos enfrentam ainda
maiores desafios: o namorado
contrai tuberculose na primeira
história, a namorada é HIV positiva na segunda.
Inspirada na surdez das protagonistas, Davis moldou "Compensation" a partir do cinema
mudo. Elegantes cartelas apresentam os personagens e empurram a narrativa. Os raros diálogos
seriam prescindíveis, dada a precisão da trilha musical e dos efeitos sonoros.
De ainda maior impacto é o recurso a fotografias da comunidade negra na Chicago das primeiras décadas do século. Davis as insere como elemento narrativo,
emprestando instantâneos históricos para seu universo ficcional.
Infelizmente, porém, a sacada
restringe-se à primeira trama de
amor e perde força com o passar
do filme.
O desgaste da feliz fórmula inicial é contudo ainda maior em
"Urbania". Charlie vaga pela noite de Manhattan atormentado
por violentos flashes de uma história que demora a recompor.
Ouvir casos alheios garante-lhe
as pausas para a própria angústia.
Um yuppie aventura-se com uma
desconhecida para acordar sem
um dos rins numa banheira cheia
de gelo. Um bartender herda uma
bolada da bela cinquentona traída
que lhe pagou apenas para ver
seus genitais.
"Urbania", porém, promete
uma imprevisibilidade narrativa
que abandona a meio caminho.
Shear acaba optando por uma espécie de variação gay para o "After Hours", de Scorsese. Não chega lá, mas é um talento a seguir.
Com pretensões muito menores, "Chuck & Buck" acabou tornando-se o mais popular representante do cinema gay na mostra
competitiva. O longa de estréia de
Miguel Arteta tornou-se um dos
primeiros títulos a fechar negócio
para distribuição comercial nos
EUA (Artisan Entertainment).
"Chuck & Buck" acompanha
em tom cômico o reencontro de
dois amigos de infância. A reaproximação é catalisada pela
morte da mãe de Buck. Chuck
comparece com a noiva ao funeral, descobrindo o antigo amigo
como um garotão ainda infantilizado aos 27 anos.
Uma das mais divertidas personagens, uma gerente chicana de
teatro elevada a diretora, resume
com precisão a trama toda como
"uma história de amor homoerótico e misógino". Um bom candidato para o próximo Mix Brasil.
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