São Paulo, Sábado, 29 de Janeiro de 2000


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SUNDANCE
"Compensation" e "Urbania" destacam-se pela forma narrativa
Festival recupera prestígio

AMIR LABAKI
enviado especial a Park City

Sejam quais forem os premiados desta noite do Sundance 2000, que acaba amanhã, o maior triunfo do evento é desde logo a recuperação do prestígio. A mostra competitiva para produções independentes de ficção alcançou uma qualidade média sensivelmente superior a de suas edições anteriores. Com a disputa de documentários mantendo o perfil elevado dos últimos anos, o Sundance Festival adentra o século 21 reafirmando-se como a principal mostra de cinema dos EUA.
"Compensation" (Compensação), de Zeinabu Irene Davis, e "Urbania", de Jon Shear, confirmaram-se como os títulos mais empenhados em investigar estruturas narrativas menos convencionais. Nenhum deles alcança o patamar dos experimentos plenamente logrados, sobretudo o filme de Shear, mas ofereceram os raros respiros de invenção no conjunto da disputa.
Zeinabu Irene Davis desenvolveu seu longa de estréia a partir de um breve poema romântico de Paul Laurence Dunbar (1872-1906), um dos primeiros autores afro-americanos a tornar-se uma celebridade. "Compensation" desenvolve duas histórias de amor paralelas, situadas ambas em Chicago, uma no início e outra no fim do século 20.
Ambas dramatizam as dificuldades para o relacionamento entre jovens mulheres com deficiência auditiva e parceiros inexperientes. Bem ao sabor romântico, os dois casos enfrentam ainda maiores desafios: o namorado contrai tuberculose na primeira história, a namorada é HIV positiva na segunda.
Inspirada na surdez das protagonistas, Davis moldou "Compensation" a partir do cinema mudo. Elegantes cartelas apresentam os personagens e empurram a narrativa. Os raros diálogos seriam prescindíveis, dada a precisão da trilha musical e dos efeitos sonoros.
De ainda maior impacto é o recurso a fotografias da comunidade negra na Chicago das primeiras décadas do século. Davis as insere como elemento narrativo, emprestando instantâneos históricos para seu universo ficcional. Infelizmente, porém, a sacada restringe-se à primeira trama de amor e perde força com o passar do filme.
O desgaste da feliz fórmula inicial é contudo ainda maior em "Urbania". Charlie vaga pela noite de Manhattan atormentado por violentos flashes de uma história que demora a recompor.
Ouvir casos alheios garante-lhe as pausas para a própria angústia. Um yuppie aventura-se com uma desconhecida para acordar sem um dos rins numa banheira cheia de gelo. Um bartender herda uma bolada da bela cinquentona traída que lhe pagou apenas para ver seus genitais.
"Urbania", porém, promete uma imprevisibilidade narrativa que abandona a meio caminho. Shear acaba optando por uma espécie de variação gay para o "After Hours", de Scorsese. Não chega lá, mas é um talento a seguir.
Com pretensões muito menores, "Chuck & Buck" acabou tornando-se o mais popular representante do cinema gay na mostra competitiva. O longa de estréia de Miguel Arteta tornou-se um dos primeiros títulos a fechar negócio para distribuição comercial nos EUA (Artisan Entertainment).
"Chuck & Buck" acompanha em tom cômico o reencontro de dois amigos de infância. A reaproximação é catalisada pela morte da mãe de Buck. Chuck comparece com a noiva ao funeral, descobrindo o antigo amigo como um garotão ainda infantilizado aos 27 anos.
Uma das mais divertidas personagens, uma gerente chicana de teatro elevada a diretora, resume com precisão a trama toda como "uma história de amor homoerótico e misógino". Um bom candidato para o próximo Mix Brasil.


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