São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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CINEMA

Com atores de "Belíssima", "Se Eu Fosse Você" já atraiu 1,5 milhão; especialistas discutem o "casamento" das mídias

Filme com estrelas da Globo faz sucesso

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem sairia de casa e pagaria para ver no cinema algo disponível de graça na TV? 1,5 milhão de pessoas é a resposta, se o cálculo considerar as três primeiras semanas em cartaz do longa "Se Eu Fosse Você", de Daniel Filho.
O filme não é uma novela transportada para a tela grande, mas tem muitos elementos familiares ao público da TV Globo. O principal ponto de contato telona/telinha é o casal de protagonistas, formado no filme por Glória Pires e Tony Ramos, pontas-de-lança também da novela "Belíssima", no ar desde novembro passado.
Em "Se Eu Fosse Você", Ramos é um publicitário, às voltas com a criação de uma campanha de lingerie cuja marca não é citada. Pires é regente de um coral infantil.
Outra afinidade do filme com a TV é o formato de diversão para toda a família. Comédia comportada, sem sexo ou violência, "Se Eu Fosse Você" convida a rir do cotidiano de um casal de classe média alta, chacoalhado por um acontecimento inusitado.
Um fenômeno meteorológico-conjugal faz com que a personalidade dele encarne no corpo dela e vice-versa. Um tenta manter a rotina do outro, camuflando a troca.
Em volta do casal, desfila uma galeria de profissionais célebres no elenco (Glória Menezes, Thiago Lacerda, Danielle Winits) e na direção de novelas e séries da Globo (Dennis Carvalho, Jorge Fernando e o próprio Daniel Filho).
"Se Eu Fosse Você" é o terceiro entre os dez filmes mais vistos no Brasil neste ano. Tem ao lado dois títulos que também remetem à grade da Globo: "Didi, Caçador de Tesouros" (7º lugar, 623 mil espectadores) e "Xuxinha e Guto contra os Monstros do Espaço" (8º lugar, 399 mil espectadores).
O sucesso popular desses filmes relança o debate sobre a versão brasileira do mercado cinematográfico e o sistema que move suas engrenagens. Discute-se quanto e como a TV impulsiona a indústria nacional de filmes num país em que as estrelas devem seu sucesso muito mais à teledramaturgia do que ao cinema.
O produtor Diler Trindade, dos filmes de Xuxa e de Renato Aragão, diz que "efetivamente, a TV Globo assumiu uma importância tão grande no Brasil como a de Hollywood nos EUA". Mas Trindade acha que, se no "star system" daqui as estrelas gravitam em torno da televisão é porque "a TV, especialmente a Globo, soube ser mais profissional".

Carisma
Para o produtor, o que atrai o público não é o veículo, mas "o carisma de artistas extraordinários, os "arrasta-povo'". A competência da Globo, de acordo com esse raciocínio, é saber identificar rapidamente os talentos que emergem e contratá-los.
"Se hoje precisamos pedir licença à Globo para fazer um filme [com os artistas da emissora], é porque ela não vacila", diz Trindade. O produtor lançará neste ano o longa "A Máquina", dirigido por João Falcão e ancorado nas jovens estrelas globais Mariana Ximenes, Lázaro Ramos, Wagner Moura e Vladimir Brichta.
Na opinião de muitos especialistas, porém, a dianteira da TV sobre o cinema no Brasil não é questão de mérito, mas o resultado de um processo ocorrido sem suficiente supervisão do Estado.
Em outros países exige-se investimento regular das TVs no cinema, como forma de garantir a robustez de toda a cadeia audiovisual. É uma contrapartida das emissoras à vantagem de serem concessionárias públicas.
"A TV brasileira não deveria ter se firmado tanto antes do cinema. Ela tem eterna dívida, por ter pulado essa etapa", diz Paulo Sérgio Almeida, editor do portal de mercado cinematográfico Filme B.
Almeida estima que "Se Eu Fosse Você" chegará aos 3 milhões de espectadores e acha "positivo" que filmes derivados do "casamento do cinema com a TV" triunfem. "Cabe ao cinema se aproveitar disso. É o mínimo."
O exibidor Adhemar Oliveira, da rede de salas Espaço Unibanco e Unibanco Arteplex, avalia que o sucesso de filmes nacionais é "legitimador" da pretensão brasileira de ter uma indústria de cinema.
"Estou deixando de lado o meu gosto e observando o fenômeno de mercado. Quando o biscoito fino é muito fino, para uma fatia muito pequena, a tendência é a perda de legitimidade", afirma.
Para o crítico José Carlos Avellar, "o sucesso de filmes que tenham um modelo de promoção semelhante ao usado na TV" indica "um caminho", mas não o único para o cinema brasileiro. "Não creio que isso escravize nada."
O cineasta Gustavo Spolidoro, adepto de um cinema "nem tão comercial assim" defende a convivência das diferenças. Ele diz sentir "uma ponta de orgulho" quando um filme nacional bate Hollywood nas bilheterias e arrisca uma previsão: "De repente, um filme brasileiro, comercial, divertido e bem feitinho pode ajudar a aumentar o público de outro tipo de cinema, sem atores globais".
"Competência, competência e competência" é a razão do sucesso, diz Carlos Eduardo Rodrigues, diretor-executivo da Globo Filmes. "O resto é balela. E, apesar do menosprezo do governo em relação aos filmes que o brasileiro gosta e se identifica, continuaremos a desenvolver filmes para nosso público", cutuca.


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