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CINEMA
Com atores de "Belíssima", "Se Eu Fosse Você" já atraiu 1,5 milhão; especialistas discutem o "casamento" das mídias
Filme com estrelas da Globo faz sucesso
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem sairia de casa e pagaria
para ver no cinema algo disponível de graça na TV? 1,5 milhão de
pessoas é a resposta, se o cálculo
considerar as três primeiras semanas em cartaz do longa "Se Eu
Fosse Você", de Daniel Filho.
O filme não é uma novela transportada para a tela grande, mas
tem muitos elementos familiares
ao público da TV Globo. O principal ponto de contato telona/telinha é o casal de protagonistas,
formado no filme por Glória Pires
e Tony Ramos, pontas-de-lança
também da novela "Belíssima",
no ar desde novembro passado.
Em "Se Eu Fosse Você", Ramos
é um publicitário, às voltas com a
criação de uma campanha de lingerie cuja marca não é citada. Pires é regente de um coral infantil.
Outra afinidade do filme com a
TV é o formato de diversão para
toda a família. Comédia comportada, sem sexo ou violência, "Se
Eu Fosse Você" convida a rir do
cotidiano de um casal de classe
média alta, chacoalhado por um
acontecimento inusitado.
Um fenômeno meteorológico-conjugal faz com que a personalidade dele encarne no corpo dela e
vice-versa. Um tenta manter a rotina do outro, camuflando a troca.
Em volta do casal, desfila uma
galeria de profissionais célebres
no elenco (Glória Menezes, Thiago Lacerda, Danielle Winits) e na
direção de novelas e séries da Globo (Dennis Carvalho, Jorge Fernando e o próprio Daniel Filho).
"Se Eu Fosse Você" é o terceiro
entre os dez filmes mais vistos no
Brasil neste ano. Tem ao lado dois
títulos que também remetem à
grade da Globo: "Didi, Caçador
de Tesouros" (7º lugar, 623 mil espectadores) e "Xuxinha e Guto
contra os Monstros do Espaço"
(8º lugar, 399 mil espectadores).
O sucesso popular desses filmes
relança o debate sobre a versão
brasileira do mercado cinematográfico e o sistema que move suas
engrenagens. Discute-se quanto e
como a TV impulsiona a indústria nacional de filmes num país
em que as estrelas devem seu sucesso muito mais à teledramaturgia do que ao cinema.
O produtor Diler Trindade, dos
filmes de Xuxa e de Renato Aragão, diz que "efetivamente, a TV
Globo assumiu uma importância
tão grande no Brasil como a de
Hollywood nos EUA". Mas Trindade acha que, se no "star
system" daqui as estrelas gravitam em torno da televisão é porque "a TV, especialmente a Globo, soube ser mais profissional".
Carisma
Para o produtor, o que atrai o
público não é o veículo, mas "o
carisma de artistas extraordinários, os "arrasta-povo'". A competência da Globo, de acordo com
esse raciocínio, é saber identificar
rapidamente os talentos que
emergem e contratá-los.
"Se hoje precisamos pedir licença à Globo para fazer um filme
[com os artistas da emissora], é
porque ela não vacila", diz Trindade. O produtor lançará neste
ano o longa "A Máquina", dirigido por João Falcão e ancorado nas
jovens estrelas globais Mariana
Ximenes, Lázaro Ramos, Wagner
Moura e Vladimir Brichta.
Na opinião de muitos especialistas, porém, a dianteira da TV
sobre o cinema no Brasil não é
questão de mérito, mas o resultado de um processo ocorrido sem
suficiente supervisão do Estado.
Em outros países exige-se investimento regular das TVs no cinema, como forma de garantir a robustez de toda a cadeia audiovisual. É uma contrapartida das
emissoras à vantagem de serem
concessionárias públicas.
"A TV brasileira não deveria ter
se firmado tanto antes do cinema.
Ela tem eterna dívida, por ter pulado essa etapa", diz Paulo Sérgio
Almeida, editor do portal de mercado cinematográfico Filme B.
Almeida estima que "Se Eu Fosse Você" chegará aos 3 milhões de
espectadores e acha "positivo"
que filmes derivados do "casamento do cinema com a TV"
triunfem. "Cabe ao cinema se
aproveitar disso. É o mínimo."
O exibidor Adhemar Oliveira,
da rede de salas Espaço Unibanco
e Unibanco Arteplex, avalia que o
sucesso de filmes nacionais é "legitimador" da pretensão brasileira de ter uma indústria de cinema.
"Estou deixando de lado o meu
gosto e observando o fenômeno
de mercado. Quando o biscoito fino é muito fino, para uma fatia
muito pequena, a tendência é a
perda de legitimidade", afirma.
Para o crítico José Carlos Avellar, "o sucesso de filmes que tenham um modelo de promoção
semelhante ao usado na TV" indica "um caminho", mas não o único para o cinema brasileiro. "Não
creio que isso escravize nada."
O cineasta Gustavo Spolidoro,
adepto de um cinema "nem tão
comercial assim" defende a convivência das diferenças. Ele diz
sentir "uma ponta de orgulho"
quando um filme nacional bate
Hollywood nas bilheterias e arrisca uma previsão: "De repente, um
filme brasileiro, comercial, divertido e bem feitinho pode ajudar a
aumentar o público de outro tipo
de cinema, sem atores globais".
"Competência, competência e
competência" é a razão do sucesso, diz Carlos Eduardo Rodrigues,
diretor-executivo da Globo Filmes. "O resto é balela. E, apesar
do menosprezo do governo em
relação aos filmes que o brasileiro
gosta e se identifica, continuaremos a desenvolver filmes para
nosso público", cutuca.
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