São Paulo, sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

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Crítica

Diretor é único no cinema americano

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A respeito de "Invictus" é possível sacar todas as reservas que, mesquinhamente, constumamos formular nesses casos. Que Clint Eastwood idealiza Nelson Mandela, que sua visão da convivência entre brancos e negros após o fim do apartheid é idílica. Que ele vê Mandela mais à direita (ou à esquerda, é indiferente), mais genial (ou menos do que era "na realidade") etc.
O fato, porém, é que Eastwood vai ao ponto de uma questão, talvez a mais explosiva de nosso tempo: a constituição de sociedades multirraciais (e multirreligiosas) e a necessidade de tolerância entre esses grupos, desde que não se pretenda chegar a um desastre, num momento em que as migrações são provavelmente mais intensas do que em qualquer outra época. Eastwood, que tanto pensou a América e suas questões, aqui expande o raio de seu pensamento.
No caso, temos um Mandela, assim que toma posse, às voltas com uma banalidade: o time nacional de rúgbi, que disputará um campeonato mundial, está uma porcaria. Pior, ele é um signo da permanência dos velhos tempos, já que o rúgbi é um esporte de brancos (os negros preferem o futebol).
Diante disso, Mandela toma todas as cautelas para que o time faça bonito no campeonato, o que, para ele, é uma enorme oportunidade de superar, simbolicamente, as muitas divergências entre brancos e negros.
Como em todo bom filme com disputas esportivas, a emocionalidade é intensa. Mas o essencial vem menos do rúgbi do que do projeto de Mandela: fazer com que uma população cindida por anos de disputas aceite o outro. Nessa tarefa, vai tourear alguns negros de seu estafe (ele introduz brancos em sua segurança), e contará com Francis (Damon), o capitão do time, como cúmplice.
Pode-se dizer, contra o filme, que inúmeras questões são abordadas e deixadas de lado. Que cria "núcleos simplificantes". Ou que às vezes escorrega do sentimental para o sentimentalista.
Em troca, podemos lembrar a cena de abertura, num campo de rúgbi tomado por brancos, que passa para o outro lado da rua, onde meninos negros jogam futebol como exemplo de como as imagens podem dar conta de determinada situação.
O essencial, porém, não está na maior ou menor habilidade para equacionar certos problemas, e sim na postura praticamente única de Eastwood entre os grandes diretores americanos: ele tem algo a dizer e diz.
Não está muito preocupado em prestar contas de cada uma de suas cenas ou em produzir brilharecos. Seus filmes parecem oscilar, hoje, entre dois belos modelos da tradição americana: Ford e Hawks. Este filme é mais Ford: a história antes do homem, o mito se impõe à realidade, o símbolo supera o fato.


INVICTUS

Direção: Clint Eastwood
Produção: EUA, 2009
Onde: estreia no Anália Franco UCI, Espaço Unibanco e circuito
Classificação: livre
Avaliação: ótimo




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