São Paulo, sexta, 29 de janeiro de 1999

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Salvação pela doença

da Equipe de Articulistas

Quando o cinemão americano não sabe o que fazer para arrancar lágrimas, apela para o câncer. Em "Lado a Lado", a fórmula está de volta, requentada e misturada com outro mote que dá muito Ibope em Hollywood, o da separação de um casal com filhos.
Claro que a separação não pode mais ser tratada com o moralismo de dramalhão mexicano de um "Kramer x Kramer". Como as novelas da Globo, os filmes americanos "sabem" que têm de mudar para continuar iguais.
E "Lado a Lado", ao que parece, atingiu em cheio a sensibilidade do espectador americano médio -ou da espectadora, pois esse é, dizem, um filme para mulheres. Conseguiu isso graças a um roteiro e uma produção milimetricamente calculados para afastar qualquer risco ou ousadia.
O desenho do filme é claríssimo. Há uma mãe tradicional, Jackie (Susan Sarandon), que tinha um emprego tradicional (era editora de livros), veste-se de maneira tradicional, cria seus filhos -Anna (Jena Malone) e Ben (Liam Aiken)- de modo tradicional e mora numa casa tradicional, com varanda, balanço e gramado.
Seu ex-marido, o advogado Luke (Ed Harris), passa a viver com uma mulher mais jovem, Isabel (Julia Roberts), que tem um emprego "moderno" (é fotógrafa de moda), veste-se de modo "moderno", ouve música "moderna" e se relaciona de um modo "moderno" com os filhos do namorado.
Esse desequilíbrio entre os dois mundos é um fator de perturbação para as crianças -sobretudo para a pré-aborrecente Anna, que move uma guerra contra sua "madrasta".
Como resolver o impasse?, perguntam-se os roteiristas, produtores e executivos do estúdio. Até que alguém tem a idéia: e se a mãe tivesse câncer?
Claro, como não pensamos nisso antes? Acaba a briga entre as mulheres, as crianças têm uma lição de vida, o pobre Luke deixa de se sentir dividido, o novo substitui o velho sem necessidade de conflito. E o que é melhor: todo mundo chora.
Alguém deveria fazer um estudo sobre a tendência hollywoodiana de esvaziar -graças à intervenção de um fator externo, inevitável- o sentido ético das opções humanas.
Em Hollywood, o câncer purga, exorciza, liberta, engrandece, supera as diferenças, humaniza. O câncer salva, enfim.
Talvez isso seja sintoma de uma sociedade imatura, talvez seja só um jeito de ganhar dinheiro "honestamente".
É famosa a frase do Galileu de Bertolt Brecht: "Infeliz o país que precisa de heróis". Diante dos melodramas americanos, podemos pensar: "Infeliz o país que precisa do câncer".
Uma curiosidade do filme é que Anna joga futebol (o "nosso", não o americano), esporte muito mais popular entre as meninas do que entre os meninos nos EUA.
E Susan Sarandon (produtora executiva do filme, ao lado de Julia Roberts) se especializa no papel de "mater dolorosa". Ela já foi, acredite, uma mulher sexy, engraçada e inteligente. Mas isso não dava Oscar.
Em tempo: o diretor Chris Columbus fez antes as comédias "Esqueceram de Mim" e "Uma Babá Quase Perfeita". (JOSÉ GERALDO COUTO) ²
Filme: Lado a Lado Produção: EUA, 1998
Direção: Chris Columbus Com: Julia Roberts, Susan Sarandon Quando: estréia hoje, nos cines Astor, Paulista 2 e circuito




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