São Paulo, sexta, 29 de janeiro de 1999

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A VISÃO MASCULINA
O que o pequeno Ben está fazendo ali?

ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

O xis da questão é: e o Ben? O que, afinal, o Ben está fazendo num filme de mulherzinhas?
Se meu avô abandonasse, por uma tarde que fosse, a mania de só ver produções italianas e desse uma espiada em "Lado a Lado", certamente saltaria da poltrona antes mesmo de as luzes acenderem. "Tirem o Ben daí", gritaria. "Tanta choradeira vai acabar amolecendo o menino."
Ben (Liam Aiken) tem 7 anos e é, sem dúvida, a figura mais simpática de "Lado a Lado". É, também, o personagem masculino que permanece maior tempo em cena -o outro, Luke (Ed Harris), participa menos da trama, embora os créditos do filme o apresentem como um dos protagonistas.
Três mulheres transitam em torno do garoto: sua mãe, a dona-de-casa Jackie (Susan Sarandon); sua madrasta, a fotógrafa Isabel (Julia Roberts), e sua irmã de 12 anos, Anna (Jena Malone).
Um trio parada dura, que passa todo o filme às voltas com meia dúzia de angústias existenciais ou algo assim. A saber:
* Mulheres precisam abdicar da maternidade para ascender profissionalmente?
* Mullheres que trabalham podem cuidar bem dos filhos?
* Quem atende melhor às necessidades de uma criança: a mãe biológica ou a postiça?
* É justo que mulheres jovens roubem o marido de mulheres mais velhas?
* Só o câncer põe fim às rivalidades femininas?
* Uma pré-adolescente, se cortejada pelo garoto mais cobiçado da escola, deve beijá-lo de boca aberta ou fechada?
Para cada questão, um rio de lágrimas. Desde "Laços de Ternura" (1983), Hollywood não produzia sequências tão caudalosas.
E o que faz Ben enquanto o mulherio se descabela? Arrota em público. Brinca de se esconder no armário da cozinha. Prepara poções mágicas com "orelhas amassadas de lobisomem e pedacinhos de vampiro". Enverga espadas de plástico e sai lutando pelos parques. Usa chapéu de feiticeiro. Inventa truques com cartas. Finge praticar telepatia e se põe a adivinhar pensamentos alheios. Imagina o que ocorreria se "as tranças de Rapunzel saíssem do sovaco".
Nada o arranca do mundo fantástico que insiste em habitar. Não deseja, como a irmã, descobrir "por que papai deixou de amar a mamãe". Quer, no máximo, saber se o cachorrinho que ganhou pode devorar seu coelho.
Contrariando as previsões sombrias de meu avô, Ben não amolece. Imberbe ainda, já percebeu o essencial: não há homem sobre a Terra capaz de suportar a realidade que o feminino lhe impõe sem lançar mão de fantasias -de poções mágicas, espadas de plástico, futebol ou Carla Perez.
À medida que o filme avança, uma única expectativa vai ganhando corpo, até tomar o lugar de todas as outras. Pouco importa se Anna conseguirá lidar melhor com a separação dos pais, se Isabel encontrará um equilíbrio entre os compromissos do trabalho e os deveres de madrasta, se Jackie irá superar o câncer. O importante, apenas, é que o Ben sobreviva.



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