São Paulo, sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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Última Moda

ALCINO LEITE NETO, em Paris - ultima.moda@folha.com.br

Paris entre o passado e o presente

Dior volta aos anos 60; Balenciaga repensa a silhueta contemporânea

O espetáculo era, afinal, fascinante. Ao som de "Mrs. Robinson", o clássico de Simon e Garfunkel, as modelos entravam por uma passarela longuíssima, tendo ao fundo do palco uma cascata de água e a logomarca gigantesca: Dior. Elas usavam penteados enormes, como os que foram mania nos anos 60, um tanto mais exagerados, como os da Barbie.
Era também dos anos 60 que vinha a inspiração das roupas, desde os tailleurs à la Jacqueline Onassis até os looks psicodélicos de Twiggy. Nem parecia a temporada de inverno da semana de moda de Paris, nem parecia que estamos em 2008.
A coleção de John Galliano para a Christian Dior foi uma viagem no tempo, um recuo até os otimistas anos 60, como classificou o estilista britânico. Uma volta muito literal, vale dizer. Havia poucos e sutis indícios de criação original, nenhuma releitura crítica do período e praticamente nada que perturbasse a transfusão nostálgica feita diretamente para as bonecas da nossa época.
O motivo? Possivelmente comercial. São looks certificados pela história e pelo uso, que exercem forte atração nas consumidoras da Dior. Boa parte deles atende ao estilo que a grife define como sendo o da "working woman". Ou seja, são para executivas top, entre o escritório e o coquetel.
O desfile da Dior aconteceu na última segunda-feira e foi um dos principais da temporada inverno-2008 de Paris, iniciada no sábado.
Foi um desfile-sintoma. Uma das principais grifes de luxo do mundo, a Christian Dior deve saber o que está fazendo ao pisar no freio, segurando a criatividade de seu estilista. Ainda mais quando se avizinha uma recessão mundial.
No "New York Times", Ruth de La Perla apontou nos EUA um certo revival da figura de Jacqueline Onassis e um desejo de retorno à silhueta de tempos "mais simples" (sic). Os anos 60 não foram simples assim, claro, mas, como os EUA são o maior mercado da moda mundial, as grandes maisons devem estar preocupadas em insuflar um pouco de certeza e otimismo nas lojas do país.
De quebra, agradam aos mercados emergentes, como Rússia, Índia, China e mesmo o Brasil, onde as complicações estilísticas sempre ficam em segundo plano, e as consumidoras preferem um look nitidamente "de grife".
Na outra margem da moda francesa, destacou-se o desfile da Balenciaga, que até quarta-feira havia mostrado a coleção mais importante desta temporada em Paris.
Em termos de negócios, se comparada à Dior e à Chanel, a Balenciaga é uma maison de porte médio e deve ser por isso que concede maior liberdade a Nicolas Ghesquière e não teme uma certa atitude vanguardista do designer francês.
A surpresa da Balenciaga nesta temporada veio, porém, menos da ousadia do que do fato de Ghesquière ter conseguido criar uma coleção que concilia as demandas do mercado fashion com a alta invenção e o gosto contemporâneo, sem falar no toque muito sexy que conseguiu acrescentar.
Em parte da coleção -que flerta algumas vezes com os anos 60-, os vestidos justos, em construções exatas e sucintas, recebem recortes imprevistos que recriam a silhueta e retalham as convenções.
Em outros momentos do desfile, aparecem casacos e vestidos futuristas de látex, calças superjustas acompanhadas de blusas com drapeamentos, voltas e enlaces labirínticos e, ainda, mantôs de látex estampados, inspirados na arte japonesa e espanhola.
Ghesquière conseguiu sintetizar todas as suas experimentações das últimas temporadas numa coleção que é uma verdadeira pedra-de-toque para o prêt-à-porter atual, perdido entre as riquezas do passado e a incerteza do futuro.

Versace faz desfile iluminado

Ainda bem que no final veio a Versace. A temporada inverno-2008 de Milão, marcada por um excesso de discrição e sobriedade, se iluminou com a paleta de cores de Donatela Versace -do fúcsia ao amarelo- e as estampas do artista holandês Timotheus Roeloffs, que a estilista convidou para trabalhar ao seu lado. O verniz artístico, tratado sem pretensão, caiu bem à coleção.
Os looks margearam o sexy sem cair na vulgaridade, em construções um tanto mais sofisticadas, mas sempre discretas, para não ferir o gosto burguês da clientela -sutis assimetrias, minimalismo sem exageros... Tudo acabou dando certo no desfile, e prova disso é que as modelos ficaram lindas.
O desfile da DSquared é sempre um dos mais concorridos da semana milanesa. É uma festa pop, repleta de celebridades italianas e até internacionais, com uma energia agitada, mas cuja vibração nem sempre encontra correspondência nas coleções, que resultam muito irregulares. Não foi diferente desta vez. Algumas boas peças aqui e ali não conseguiram afastar a sensação de dejà-vu.
O estilista Matthew Williamson conseguiu conciliar seu próprio design com a tradição forte da Emilio Pucci. Tanto assim, que fez um de seus melhores desfiles para a grife nas últimas temporadas em Milão, abrindo com looks mais pessoais e conduzindo o público de maneira quase imperceptível à féerica estamparia pucciana.


com VIVIAN WHITEMAN

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