São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


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Eletrônicos, "indies", brasileiros


Jovens produzem seus CDs em casa; Curitiba cria cooperativa tecno


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Gravadora para quê? Sem apoio da indústria fonográfica nacional porque fazem música experimental e/ou eletrônica, e não axé, sertanejo ou pop de rádio, artistas de fora do eixo central tentam romper o cerco por conta própria.
A experiência-modelo vem de Curitiba (PR), onde o músico, produtor e arranjador Julian Barg, 28, movimenta as atividades da cooperativa Zootek - Bandas Eletrônicas Unidas, fundada em janeiro de 1999.
A iniciativa já rendeu um disco, "Zootek", e um site sofisticado na Internet (http://listen.to/zootek/). O CD congrega nove bandas/projetos de tecno, big beat, trance, house e até rock industrial radicados em Curitiba.
Barg não centraliza a condução da cooperativa -membros de várias das outras bandas são igualmente participativos no empreendimento.
O álbum foi viabilizado pela divisão de tarefas e de custos entre todos os artistas cooperados. Quem tinha mais faixas pagava mais, dentro de um custo total de parcos R$ 1.600 -um computador e uma casa costumam ser instrumentos quase suficientes para muitos dos novos artistas, que aprendem assim a prescindir de estúdios de gravação, equipamentos, empresários etc.
"Não houve nenhum incentivo fiscal nem qualquer tipo de patrocínio, foi totalmente independente", afirma Barg, que já havia lançado, mas com auxílio de lei de incentivo municipal, o CD de estréia do Jubah Jabuh, dupla pop/ experimental formada por ele e por André Hernandes.
"Zootek" foi lançado nas lojas de Curitiba e está à venda no site da cooperativa. O plano é a expansão, com lançamentos e venda dos projetos individuais de cada membro da associação.
"A Zootek é um grupo de pessoas que faz música eletrônica dos mais diversos estilos pelos mais diversos motivos e resolveu unir esse potencial para fazer algo mais surgir disso", define Barg, floreando a natureza econômica e prática da associação.
"Reuniões são feitas para discutir desde novos softwares até projetos de atividades diretamente relacionadas à possível produção e comercialização das músicas próprias", explica.

Do Rio a Porto Alegre
Com objetivos e recursos equivalentes, mas mais solitário, o músico e web designer carioca Fábio Soares, 24, montou e lançou o disco de estréia de seu alter ego eletrônico, Gerador Zero. Contou apenas com um computador caseiro, um gravador de CD, um programa sequenciador e programas de edição de áudio.
Próximo ao drum'n'bass e contendo samplers de Elis Regina em "Turboelis", "Gerador Zero" tem em circulação até agora parcas 250 cópias -que Soares vai fazendo conforme as necessidades. Foram suficientes para atrair atenções nos círculos especializados e, segundo Soares, para motivar as primeiras negociações com gravadoras de porte maior.
"Caso não consiga um contrato do jeito que quero, vou providenciar uma prensagem de mil unidades. Não me incomodaria em continuar independente, até porque dá para vender CDs mais baratos desse jeito e ninguém dá palpite no seu trabalho", raciocina.
Hoje, o próprio Fábio Soares/ Gerador Zero vende seus álbuns, no site www.fzero.rj.net, mas primariamente a circulação esteve vinculada à Hipocampo, gravadora/distribuidora virtual de discos e fitas independentes, sediada fisicamente em Porto Alegre.
A Hipocampo trabalha com uma enxurrada de novos artistas experimentais (não só eletrônicos), como Johann Heiss, Maxixe Machine, Iconoclásticos, Antoine Trauma, Vibrosensores, Löis Lancaster, Maverick, Walverdes, 90110 e muitos outros -tudo de que as grandes gravadoras querem distância.
Quixotesco, o selo de gravação, levado pelo músico e web designer gaúcho Guilherme Darisbo, 27, já foi desativado, mas a distribuidora (www.opensite.com.br/ maverick/hccds/index.html) continua ativa, comercializando discos "indie" de Wander Wildner, Anvil FX, Tetine, Rebeca Matta e Stela Campos, entre outros menos conhecidos.
"Funciona basicamente como uma loja virtual. Compro os CDs para revenda, coloco no catálogo, vendo. Basicamente pelo correio", explica Darisbo.

Em Salvador
Por fim, há a experiência da Bahia, onde, não, nem tudo é axé. Num território de onde a semi-eletrônica Rebeca Matta despontou para fazer certo sucesso de crítica, aparece o grupo Crac!, também semi-eletrônico.
"Móbraba", CD de estréia do quinteto, lida com loops, mas os permeia ao rock pesado e à MPB. Saiu com incentivo do governo da Bahia, por intermédio do Prêmio Copene Cultura e Arte.
"A gente nunca lançou esse disco oficialmente. O prêmio cobriu o custo da gravação com um orçamento razoável, de R$ 25 mil. Foram feitas 2.000 cópias, cerca de 1.400 ficaram para nós", diz o guitarrista Julio Moreno, 34, argentino radicado na Bahia que já tocou com Cid Guerreiro e Sarajane.
Driblando a má distribuição, o grupo colocou o álbum completo no formato MP3 -pode ser baixado de graça, no site www.bahianet.com.br/crac.
Iniciativas que se comunicam virtual e ideologicamente numa rede que pula de Porto Alegre e Curitiba a Salvador -mas passa por Recife (com DJ Dolores e a Nação Zumbi, agora independente) e São Paulo (Tetine, Rica Amabis)- são poucos exemplos. A nação independente pulula, sem dinheiro nem documento.


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