São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


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MÚSICA
Cantor quebra 11 anos de jejum do programa ao vivo para mostrar novo disco e defender rádios livres
Lobão lança CD independente no "Faustão"

da Reportagem Local

O mundo está virado? Lobão, 42, inimigo número um do sistema, foi no domingo a atração de encerramento do "Domingão do Faustão", na Rede Globo, em meio a convidados como Chitãozinho e Xororó e As Meninas.
Lançando a segunda tiragem de 50 mil exemplares de seu disco independente "A Vida É Doce", quebrou um jejum de 11 anos sem aparecer ao vivo no programa.
A vez anterior foi no dia da eleição de Fernando Collor para presidente, quando puxou um coro de "Lula lá" no auditório de Fausto Silva e colocou a Globo sob risco de ser retirada do ar pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Domingo, no ar por 12 minutos (o combinado eram nove; Lobão resmunga ter ficado só seis), foi o pico de audiência do programa, oscilando de 41 a 35 pontos, contra média de 16 do SBT (Gugu Liberato já havia saído do ar).
A latina Christina Aguillera, no encerramento da semana anterior, oscilara de 34 a 28 pontos e saíra do ar em cinco minutos.
A pergunta é: o "rebelde" Lobão está se readequando às regras da indústria que tanto vinha combatendo? A resposta é complexa.
Do lado de baixo, embora suavizasse seu discurso tipo metralhadora giratória, tocou a nada comercial "A Vida É Doce", mostrou a camisa de seu selo independente, Universo Paralelo (insinuando que existia um universo paralelo ao de Meninas e Xororós), e usou os poucos minutos de fala para defender as rádios comunitárias, anti-sistema.
Do lado de cima, o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, citado nominalmente -e com simpatia- por Lobão ao vivo, telefonou na segunda ao artista, parabenizando-o por tocar no assunto espinhoso no horário nobre do "Faustão".
Lobão tenta manter a fama de mau: "Cheguei ao meio-dia e fiquei lendo no camarim, tirei soneca, nem sequer abri o áudio da TV. Não queria me envolver emocionalmente com o programa".
Tenta relativizar o pico de audiência: "Sei que esse horário tecnicamente é o que mais dá Ibope. Mas fui lá feliz, pegando o vácuo de simpatia dos espectadores que estão esperando o "Fantástico" começar".
Tenta justificar a repentina aceitação do artista desbocado pela Globo: "Fausto Silva é um cara que gosta de mim e pessoalmente parece estar querendo mudar seu programa".
Tenta acreditar que não, não está sendo cooptado: "Há essa história, desde o caso Nicéa Pitta, de que a Globo esteja dando uma guinada da direita para o centro, porque há novas pessoas lá dentro. Carlos Sion, que foi produtor do Vímana (primeira banda de Lobão), trabalha no "Faustão'".

"Faustão" x gravadoras?
Mas aí há o caso de que o diretor-geral do programa global, Alberto Luchetti, 46, determinou que artistas que se apresentarem no programa de Gugu Liberato não irão mais ao "Domingão", sob frases de efeito de que não vai mais se submeter aos planos de marketing das gravadoras.
Quase simultaneamente, leva ao programa Lobão, que, apartado das grandes gravadoras, lançou "A Vida É Doce" de forma independente, em bancas de jornal, com cópias numeradas e por preço abaixo do mercado (R$ 14,90). Esgotou a primeira tiragem, de 50 mil exemplares, em cerca de quatro meses.
Nesta semana, Lobão está mandando às bancas as segundas 50 mil cópias do CD. A distribuição, agora, é da Fernando Chinaglia, de alcance nacional.
A ida de Lobão ao "Faustão" seria um recado indireto numa rebelião de "Faustão" e Luchetti contra as gravadoras?
"Imagina. Lobão é apenas mais um de muitos. Tenho feito isso sempre nos dois anos em que estou no programa. Levei Quarteto em Cy e MPB-4, Pavilhão 9, Frank Aguiar, Reginaldo Rossi. Lobão é marginalizado, faz a defesa das rádios clandestinas. Esse lado anarquista é que é interessante, foi por isso que ele foi chamado", diz, afirmando -quanto às "clandestinas"- que não quer "avaliar esse dado".
Lobão também reage à possibilidade: "Tenho muita rixa com o programa do Gugu, aquela banheira é escrota. Mas não tenho nada a ver com essas determinações. Se isso se torna político, vou ao Gugu. Minha única condição, sempre, é tocar ao vivo, sem playback".
Não, não é a única. O convite inicial do "Domingão" era para que respondesse a perguntas pré-gravadas do público. Ele não quis se submeter ao interrogatório, mas diz que não se acha antidemocrático na recusa: "Ofereceram 20 minutos, ia ser uma espécie de banheira do "Faustão". Se fosse um programa normal, eu aceitava. Tenho todos os motivos do mundo para ter precauções contra esse tipo de ingerência. Já fui editado na Globo".
"Ver as perguntas antes ele não ia, nunca. Se ele pretendia isso, nem me perguntou, por falta de coragem", revida o diretor.
Lobão tenta se divertir: "Quando cheguei lá, ainda pediram que eu mudasse e fizesse um pot-pourri. Ameacei ir embora, o clima ficou tenso. Quando fui tirar soneca, todo mundo pensou que eu tinha ido embora".
Ele fala, afinal, o que queria e não conseguiu do programa do "amigo" Fausto Silva: "Queria falar que tenho um público que nunca viu o "Faustão" e estava ligado no domingo, e há outro que vê o "Faustão" e nunca viu o Lobão. E que eles se encontraram, com pico de audiência. Foi falta de respeito eles me cortarem no meio de "Me Chama", mas acho saudável poder fazer isso. Estava lá não para querer hegemonia, tirar o lugar do "xibom bombom", mas para conquistar um espaço que geralmente nos é hostil". Será?
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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