São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


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DANÇA
Diretor do Balé de Hamburgo fala de "Sylvia", coreografia que será apresentada em São Paulo em abril
Alemães abrem temporada internacional

Reprodução
Cena da coreografia "Sylvia", recriação de um clássico do século 19 feita por John Neumeier, diretor do Balé de Hamburgo; espetáculo será apresentado em abril


ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

A temporada internacional de dança deste ano será inaugurada pelo Balé de Hamburgo, cujas apresentações na capital paulista -de 11 a 13 de abril - também dão início à programação de 2000 da Sociedade de Cultura Artística e dos Patronos do Teatro Municipal de São Paulo.
No Rio de Janeiro, a companhia alemã, dirigida há 27 anos pelo norte-americano John Neumeier, estréia dia 6.
Além de um "Programa Mix", que reúne as coreografias "Bach Suíte nº 2", "Quadros de Bartok" e "Bernstein Dances", todas de Neumeier, o elenco de Hamburgo traz como espetáculo principal o balé "Sylvia".
Criado em 1997 por encomenda da Ópera de Paris, "Sylvia" é uma versão atualizada do clássico homônimo lançado em 1876 (leia texto nesta página). Originalmente uma ninfa devotada à deusa Diana, Sylvia se transforma em mulher moderna na reinterpretação de Neumeier. A seguir, trechos da entrevista concedida pelo coreógrafo à Folha.

Folha - Criar versões de balés clássicos é uma de suas especialidades. O senhor tem um procedimento específico quando reinterpreta obras tradicionais?
John Neumeier -
Cada uma das chamadas obras clássicas é um caso único. Toda vez que me aproximo de um clássico com o objetivo de reinterpretá-lo, eu procuro me distanciar do tema original para descobrir o núcleo central, ou seja, a essência. Esse é o ponto mais importante, que eu procuro atingir sempre, de diferentes formas.

Folha - A música costuma ser uma das forças motrizes de suas criações. Como é o "modo Neumeier" de lidar com a música?
Neumeier -
O "modo Neumeier" significa ouvir a música no plano emocional, ou seja, permitir inicialmente que a música "nos coloque em movimento". Em seguida, é preciso analisar racionalmente o que foi ouvido para, enfim, fazer a coreografia de modo puramente instintivo. Instintivo na medida em que é preciso esquecer tudo o que se aprendeu anteriormente.

Folha - O senhor declarou que a música de Delibes foi sua primeira parceira na criação de "Sylvia". Como essa composição é explorada em sua versão?
Neumeier -
A música é o elemento que mais chama a atenção na versão original de "Sylvia". Percebe-se claramente que ela foi influenciada por Richard Wagner e em alguns momentos chega a adotar os piores clichês das músicas para balé do século 19. Mesmo assim, possui poesia e principalmente sensualidade.
Em minha versão, a música original sofre alguns cortes. Eu não queria converter a música de Delibes em movimento, mas sim criar uma tensão visual, um confronto entre essa música de fácil assimilação e a dança.

Folha - Que significado o mito de Diana assume em sua versão?
Neumeier -
Diana representa algo como uma lei, uma regra, mas também uma pessoa de carne e osso. Para as cenas de Diana, eu utilizei música de uma outra obra de Delibes, a fim de reforçar o peso do seu papel e para elaborar mais o seu conteúdo.

Folha - O Balé de Hamburgo acaba de apresentar em Paris sua versão de "O Lago dos Cisnes", inspirada no rei Ludwig da Baviera, sugerindo sua homossexualidade. Por que relacionar tal personalidade a esse balé?
Neumeier -
Na versão original de "O Lago dos Cisnes", o personagem masculino principal, o Príncipe Sigfried, é a figura menos viva de toda a história. Nem mesmo a música lhe atribui um tema próprio. A ligação com Ludwig 2º me deu a oportunidade de criar um personagem central que, para mim, é verossímil do ponto de vista humano, em torno do qual eu posso agrupar uma série de outros personagens menos vivos, talvez um tanto unidimensionais. Esse personagem central, apesar das modificações do enredo, não trai o tema fundamental de "O Lago dos Cisnes", que é a não realização do amor. Pelo contrário, até o aprofunda.
Além disso, há paralelos humanos espantosos entre os dois personagens: tanto Sigfried como Ludwig 2º aparentam ser príncipe e rei, sem querer sê-lo. Ambos se sentem ligados ao homem simples do povo e detestam a corte e a vida de cortesãos. Ambos devem se casar e não querem. Aliás, suas relações com as mulheres são semelhantes. Ambos talvez sejam considerados loucos pelas pessoas que os cercam. Um e outro têm a vivência de que o amor não se realiza ou que eles não conseguem realizá-lo. E ambos morrem afogados!


Espetáculo: Sylvia, com o Balé de Hamburgo Quando: de 11 a 13/4, às 20h30 Onde: Teatro Municipal de São Paulo (pça. Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 0/xx/ 11/223-3022) Quanto: de R$ 20 a R$ 120

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