São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2001

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GASTRONOMIA
Jaca desperta ânimos de gregos e troianos

NINA HORTA

COLUNISTA DA FOLHA

Há 15 dias escrevi nesta coluna sobre a jaca, uma desassuntada jaca. E gregos e troianos se manifestaram sobre a fruta. É sempre assim com coisas brasileiras. Ah, esses leitores, melhor seriam se escritores...
Surgiram lembranças: "A estranha e visguenta jaca. Sou baiana e nasci vendo as bancas de feira repletas desse fruto. Eu me lembro de que jaca na minha cidade (Camacã) era uma coisa que ninguém comprava. Sempre tinha algum vizinho, amigo ou parente voltando da roça com a carroceria cheia para distribuir. Ah, e mais uma coisa: jaca dura só no café da manhã, mas não se podia tomar café nem antes nem depois para não "empachar", seja lá o que isso signifique. E jaca mole era no lanche da tarde".
"E não sei por que cargas d'água, quando eu era criança -e essa imagem que me aterrorizou tanto tempo é minha referência até hoje-, imaginava o bicho-papão como uma jaca gigantesca de chapéu-coco e bengala."
A fruta recebeu adesões e rejeições.
"(...) À altura da injustiçada jaca, que, além de ser uma fruta gorda, sensual e generosa, pode se gabar de sua popularidade e espírito democrático, assumindo a qualidade de mole ou dura por puro capricho e para não deixar ninguém descontente. Todo poder à jaca!"
"Eu me lembrei de meu primeiro contato com a dita cuja quando morei em Campina Grande, as novidades, os cantadores, os cordéis dependurados juntamente com as cabeças de bode (arghhh). E havia uma jaqueira perto da casa, mas nunca consegui experimentar um gomo... Aqui não encontro jacas e também não me fazem falta! Portanto, como não a amo, deixo-a!"
"Detesto jaca... Na verdade, só experimentei uma vez, na infância, e achei com gosto de banana ultramadura, bem enjoativo."
"Aqui na Bahia, elas despencam, antediluvianas, sobre as nossas cabeças... Ah, e os doces! Em calda fina com cravo ou canela. Viva a jaca."
"Nina, achávamos que éramos experts em jacas... Mas chegamos à conclusão de que você é uma amante da jaca, ou seja, o que chamamos na Bahia de papajaca!"
Esclareceram-me carinhosamente, mandando textos do "Dicionário Gastronômico", de Maria Lucia Estensoro, e outros mais:
"A jaca, no Nordeste, pode ser considerada santo alimento. Provida de todas as vitaminas, a jaca é o sustento de muitas famílias, sobretudo as mais pobres. Quando se via crianças arrastando jacas maduras para casa, rindo e brincando ao mesmo tempo, sabia-se que, naquele dia, não só teriam o que comer como estariam dieteticamente bem alimentadas. A jaca e o feijão são parceiros em assegurar uma relativa saúde à população mais carente do Brasil."
Mais informações: "(...) A jaca possui um componente não citado por você: é feminina. Alguns maldosamente afirmam que é velha, pois enrugada. Outros ainda insistem em sua condição de casada e/ou mãe, já que se configura um tanto gorda. Especialistas a defendem, dizendo-a portadora de uma deficiência patológica de origem genética, já que falar em DNA está na moda, uma vez que já nasce gordinha".
"Até mesmo origens socioeconômicas têm sido invocadas para explicar uma possível condição de casta inferior e marginal, atribuída ao seu odor intrínseco e característico. Insistem em acusá-la de falta de higiene... Como vê, tenho impressões não tão líricas e benevolentes como as que você alinhou. E falo com uma certa impunidade, já que vivemos numa democracia de bananas e não haveria mesmo muito espaço para aforismos de uma minoria como a da jaca."
E não faltaram aquelas afoitas, que partiram para a ação: "Fui imediatamente abraçar a jaqueira que cresce no jardim japonês no fundo do nosso quintal, pertinho do centro de São Paulo".
"Sei bastante de culinária e de jaca. Gostaria e preciso trabalhar com você."
E uma entrega final: "Eu também não sei direito o que é uma jaca. Mas sei muito bem quem é uma jaca. Eu".
E-mail : ninahort@uol.com.br



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