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GASTRONOMIA
Jaca desperta ânimos de gregos e troianos
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Há 15 dias escrevi nesta coluna sobre a jaca, uma desassuntada jaca. E gregos e troianos
se manifestaram sobre a fruta. É
sempre assim com coisas brasileiras. Ah, esses leitores, melhor seriam se escritores...
Surgiram lembranças: "A estranha e visguenta jaca. Sou baiana e
nasci vendo as bancas de feira repletas desse fruto. Eu me lembro
de que jaca na minha cidade (Camacã) era uma coisa que ninguém comprava. Sempre tinha algum vizinho, amigo ou parente
voltando da roça com a carroceria
cheia para distribuir. Ah, e mais
uma coisa: jaca dura só no café da
manhã, mas não se podia tomar
café nem antes nem depois para
não "empachar", seja lá o que isso
signifique. E jaca mole era no lanche da tarde".
"E não sei por que cargas d'água, quando eu era criança -e
essa imagem que me aterrorizou
tanto tempo é minha referência
até hoje-, imaginava o bicho-papão como uma jaca gigantesca de
chapéu-coco e bengala."
A fruta recebeu adesões e rejeições.
"(...) À altura da injustiçada jaca, que, além de ser uma fruta gorda, sensual e generosa, pode se gabar de sua popularidade e espírito
democrático, assumindo a qualidade de mole ou dura por puro
capricho e para não deixar ninguém descontente. Todo poder à
jaca!"
"Eu me lembrei de meu primeiro contato com a dita cuja quando
morei em Campina Grande, as
novidades, os cantadores, os cordéis dependurados juntamente
com as cabeças de bode (arghhh).
E havia uma jaqueira perto da casa, mas nunca consegui experimentar um gomo... Aqui não encontro jacas e também não me fazem falta! Portanto, como não a
amo, deixo-a!"
"Detesto jaca... Na verdade, só
experimentei uma vez, na infância, e achei com gosto de banana
ultramadura, bem enjoativo."
"Aqui na Bahia, elas despencam, antediluvianas, sobre as nossas cabeças... Ah, e os doces! Em
calda fina com cravo ou canela.
Viva a jaca."
"Nina, achávamos que éramos
experts em jacas... Mas chegamos
à conclusão de que você é uma
amante da jaca, ou seja, o que chamamos na Bahia de papajaca!"
Esclareceram-me carinhosamente, mandando textos do "Dicionário Gastronômico", de Maria Lucia Estensoro, e outros mais:
"A jaca, no Nordeste, pode ser
considerada santo alimento. Provida de todas as vitaminas, a jaca é
o sustento de muitas famílias, sobretudo as mais pobres. Quando
se via crianças arrastando jacas
maduras para casa, rindo e brincando ao mesmo tempo, sabia-se
que, naquele dia, não só teriam o
que comer como estariam dieteticamente bem alimentadas. A jaca
e o feijão são parceiros em assegurar uma relativa saúde à população mais carente do Brasil."
Mais informações: "(...) A jaca
possui um componente não citado por você: é feminina. Alguns
maldosamente afirmam que é velha, pois enrugada. Outros ainda
insistem em sua condição de casada e/ou mãe, já que se configura
um tanto gorda. Especialistas a
defendem, dizendo-a portadora
de uma deficiência patológica de
origem genética, já que falar em
DNA está na moda, uma vez que
já nasce gordinha".
"Até mesmo origens socioeconômicas têm sido invocadas para
explicar uma possível condição
de casta inferior e marginal, atribuída ao seu odor intrínseco e característico. Insistem em acusá-la
de falta de higiene... Como vê, tenho impressões não tão líricas e
benevolentes como as que você
alinhou. E falo com uma certa impunidade, já que vivemos numa
democracia de bananas e não haveria mesmo muito espaço para
aforismos de uma minoria como
a da jaca."
E não faltaram aquelas afoitas,
que partiram para a ação: "Fui
imediatamente abraçar a jaqueira
que cresce no jardim japonês no
fundo do nosso quintal, pertinho
do centro de São Paulo".
"Sei bastante de culinária e de
jaca. Gostaria e preciso trabalhar
com você."
E uma entrega final: "Eu também não sei direito o que é uma
jaca. Mas sei muito bem quem é
uma jaca. Eu".
E-mail : ninahort@uol.com.br
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