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"A NOIVA ESTAVA DE PRETO"
Filme ecoa Hitchcock, mas fica aquém das expectativas
TIAGO DA MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Se a nouvelle vague francesa é
considerada uma geração de
"cinefilhos" é porque teve, mais
do que qualquer outra, a consciência histórica necessária para
se ver numa filiação e escolher a
sua própria genealogia na história
do cinema.
Para os jovens cinéfilos da Cinemateca de Henri Langlois, não se
tratava apenas de seguir a norma
de uma geração que trocava, em
peso, os conselhos paternos pelos
atos dos heróis das telas. Aqueles
precoces especialistas estabeleceram verdadeiros cânones ao se
projetarem numa nova família, a
do "realismo espiritual" do cinema, gesto que ganhou, na história
pessoal de François Truffaut, conotações psicológicas.
Criança bastarda, enjeitada pela
família e precocemente emancipada, como os mais clássicos personagens bastardos da literatura
francesa, Truffaut, mais do que
qualquer outro confrade da revista "Cahiers du Cinéma", fez da
"política dos autores", o movimento crítico que alçou a geração
nouvelle vague ao poder, uma
"política do pai". Jean Renoir, Roberto Rossellini, Max Ophüls, Alfred Hitchcock, a cada entrevista
que o jovem Truffaut fazia para a
revista, uma nova conquista, uma
nova adoção. Como não invejar a
sua "cinefamília"?
Foi em plena "fase Hitchcock"
que Truffaut realizou "A Noiva
estava de Preto" (1967). A única
obra-prima dessa fase, iniciada
por "Um só Pecado" (1964), seria
o livro "Hitchcock/Truffaut - Entrevistas", editado pela primeira
vez em 1966 e ampliado mais tarde. Sempre em contato com o
mestre nesse período, Truffaut
realizou filmes que são os de um
discípulo esforçado e escrupuloso, mas limitado.
O clima hitchcockiano de "A
Noiva Estava de Preto" vem, sobretudo, da trilha de Bernard
Herrmann, o grande comparsa de
Hitchcock, cheia de acordes de
"Um Corpo que Cai".
Mas, ao reduzir o seu enredo à
ação obsessiva de uma matadora
sem culpas, à vingança em cinco
atos de sua heroína, uma viúva
negra (Jeanne Moreau) decidida a
matar os responsáveis pela morte
do marido, Truffaut revela-se
muito aquém de Hitchcock.
Enquanto nas grandes obras do
mestre a tendência monológica
do cinema clássico é transcendida
em favor de uma lógica de relações, de um universo mais dialógico em que a moeda de troca é
sempre a culpa, na obra do discípulo retornamos à monologia
sem nuances do thriller clássico.
Outro problema é a fotografia.
Durante as filmagens, Truffaut se
desentendeu com Raoul Coutard,
o célebre diretor de fotografia de
Godard, cujo vício (godardiano)
de usar pouca luz não agradava ao
cineasta. Este, no entanto, acabou
arrependido: o excesso de luz e sol
da fotografia prejudicou o clima
de mistério da história. Ainda
mais se considerarmos que se trata da adaptação de um romance
de William Irish, o mais sombrio
dos escritores da série "noire", a
célebre série de livros policiais
que o jovem Truffaut leu, por iniciativa do "pai de ocasião" Jean
Genet, quando estava preso.
O que resta do filme é a obsessão de Truffaut por Jeanne Moreau, a verdadeira viúva negra da
nouvelle vague. É à obsessão do
cineasta pela atriz e amante que
devemos atribuir a limitada, mas
sedutora, monomania de "A Noiva Estava de Preto".
A Noiva Estava de Preto
La Mariée Était en Noir
Direção: François Truffaut
Produção: França, 1967
Com: Jeanne Moreau, Michel Bouquet,
Jean-Claude Brialy
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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