São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"REDEMOINHO"

Longa do canadense Denis Villeneuve foi exibido na 25ª Mostra BR de Cinema de São Paulo, em 2001

Cineasta usa peixes para tratar de morte

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO

A morte bate à porta. A várias portas, na verdade. O primeiro a morrer é um peixe, insistente em contar uma história que, segundo ele, resume todos os segredos da humanidade. Ele não tem muito tempo. Nasceu peixe e, em minutos, deve estar morto.
Assim começa "Redemoinho", dirigido pelo canadense Denis Villeneuve, 35, que estréia hoje, após ter sido exibido na 25ª Mostra BR de Cinema de São Paulo, em outubro do ano passado.
"O peixe é o ancestral da raça humana, já que todos viemos da água. Eu gosto da idéia de que na minha alma ainda haja "remanescências" de peixes", conta o diretor, em entrevista por e-mail à Folha, enquanto finaliza um novo roteiro, do qual faz segredo.
"O personagem está fora da história que vai narrar e tem uns poucos segundos para passar sua mensagem, como se funcionasse como a inconsciência. Acredito que contar histórias é uma linda maneira de combater a morte."
O segundo a morrer é alguém que nem chegou a nascer. Desiludida com os rumos de sua própria vida, uma jovem empresária (Marie-Josée Croze) vê suas escolhas desmoronarem diante de si.
Um aborto lhe parece o caminho mais fácil. As tragédias se sucedem: sua firma vai à falência, ela atropela um trabalhador de uma peixaria, pensa em suicídio.
"O aborto é um perfeito exemplo de que não nos damos conta do significado de certos atos. Sou a favor de as pessoas terem suas responsabilidades -e responderem por elas. Mas me parece que perdemos nosso senso crítico e, com isso, as instituições acabam sendo destruídas. Estamos vivendo uma espécie de tendência patológica à mentira", afirma.
Com toques surrealistas, Denis Villeneuve se deixa influenciar pelas fábulas dos irmãos Grimm. "Redemoinho" é a minha homenagem para todos os contadores de histórias", diz ele.
"Uso e abuso da lógica de uma metáfora. Meu filme só faz sentido se for visto como fábula", completa o diretor.
Inserido na cinematografia canadense, o diretor se considera um intruso tanto no francês como no inglês -línguas oficiais de sua terra natal.
"Além disso, a produção canadense ainda é muito jovem e incipiente. Vejo ainda muito trabalho a fazer pela frente -e gosto disso. Tenho uma grande admiração por meus conterrâneos [Atom] Egoyan e [Jean-Claude] Lauzon", analisa Villeneuve.
Lançado na semana pós-cerimônia do Oscar, o canadense considera o prêmio uma bobagem. "É apenas marketing. Não tem nada a ver com a história do cinema", diz. "Mas, claro, que, se um dia eu estiver entre os indicados, vou ficar exultante e comemorar. Isso também faz parte da lógica do sistema."
Apesar disso, "Redemoinho" já acumula 26 prêmios por todo o mundo. Seu diretor não se importa: "Troféus não têm nenhuma relação direta com fazer arte".

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