São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"VOU SER FELIZ E JÁ VOLTO"

Artista faz show com canções solo e do conjunto

Titã "invasor", Miklos libera agressividade no palco

DA REPORTAGEM LOCAL

Festejado por sua interpretação em "O Invasor", novo filme de Beto Brant, o titã Paulo Miklos, 43, está em fase de bola cheia. Sincronizando os transistores, regulou as pré-estréias do filme com dois shows solo no Sesc Vila Mariana, na quarta e ontem.
O objetivo era mostrar o repertório de seu disco próprio "Vou Ser Feliz e Já Volto" (2001), mais rocks e baladas antigos (de "Paulo Miklos", o primeiro solo, de 94) e um ou outro sucesso dos Titãs.
O clima era mínimo e acústico -ele ao violão, Simone Soul na percussão, Clara Bastos no contrabaixo. Inflado por prêmios e elogios por "O Invasor", Miklos parecia querer fazer valer o lema de "vou ser feliz sem os Titãs e já volto". Fez valer, mas nada escondeu o fato de que o público, mesmo dócil, não está adaptado à idéia de felicidade de Miklos.
A persona que simulava era a do o invasor do filme, um matador de aluguel agressivo e meigo de uma vez só, que cospe na cara de todos o tempo todo, mas é todo amoroso em sua truculência.
Na primeira canção, "De Quem São as Cidades?" (94), iniciou de mansinho, mas já provocando: "Nem os incomodados se mudam/ nem mudam os que costumam incomodar". Era a doutrina do invasor: nem te ligo, mas jogo cascalho pontudo no seu caminho e poeira nos seus olhos.
Em "Aos 500 Surfistas Rodoviários Mortos" (94), encenou rock de protesto de descascar ferida: "Os surfistas rodoviários/ já estavam mortos quando subiram". Em "Diversão" (87), dos Titãs, o iluminador perturbava a platéia, ofuscando-a para obrigá-la a cantar o refrão. O desconforto subia, mas não pertencia ao invasor.
"Ele Vai Se Vender" (94) cutucava a maldição do pop star, ainda que o invasor se protegesse em parte pelo uso da terceira pessoa. Vinha "Flores" (89), e a iluminação atormentava de novo os invadidos, incitando-os a cantar as flores de plástico que não morrem. Aí anunciou um "pot-pourri do desamor", e se soltou. Os erros e lapsos de trechos inteiros de letras já vinham acontecendo, mas agora era explícito, um horror.
Emendou com "É Preciso Saber Viver", de Roberto e Erasmo, forçando uma galera teen a subir ao palco e fazer micagens sobre o baladão carola. Aí já era certo que o show do invasor era uma elegia à imperfeição e ao anticlímax.
"Sinos Entre os Anjos" (2001) começava com o verso "estou aqui sem chamar muito a atenção", delírio de quem chamava muita atenção, tal qual matador namorando a filha dos assassinados. Só faltava o bis, de discursos sobre "reality shows", "Comida" (87) e "Sonífera Ilha" (84), ameaças falsas de deixar o palco e voltas assim não muito desejadas, jogos sadomasoquistas de provocação, frases cuspidas de "põe a culpa em mim, põe".
O público? Aplaudiu de pé, sim. Os invadidos não se sentiram invadidos, ou não se demonstraram, mesmo que não se ajeitassem à felicidade feia, suja e malvada do artista. Miklos foi-se embebido em seu personagem anarquizado e anarquizador, que talvez nem seja diferente do que ele já desempenhou entre os Titãs.
Seu show solo aparecia, enfim, como projeto de antídoto ao bom comportamento, ao profissionalismo e ao excesso de regras que domaram os Titãs. Sozinho e incompleto, podia usar e a abusar da liberdade que o tempo e a profissionalização lhe impuseram.
O invadido, afinal, era ele. Os invasores, enfim, éramos os espectadores. E ele e nós fomos embora qual ovelhas dum grande rebanho. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Avaliação:   

Texto Anterior: Outros lançamentos
Próximo Texto: Carlos Heitor Cony: Perúgia, cidade verde do passado medieval
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.