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CARLOS HEITOR CONY
Perúgia, cidade verde do passado medieval
Como ponto de referência,
Perúgia é a capital da Úmbria, tal como Florença é a capital
da Toscana e Milão, a capital da
Lombardia. Além da referência, a
cidade é, em miniatura, o que a
própria Itália conseguiu ser na
história e na geografia: um sítio
destacado na geografia e na memória do homem. A começar do
fato de que é uma cidade anterior
à Itália -o que não é vantagem- e anterior aos romanos.
Na verdade, é uma vila etrusca,
berço não apenas de Roma, mas
daquilo que, generosamente, pode-se chamar de cultura latina.
Os resíduos desse passado estão
espalhados pela cidade moderna
e agradável -e visitar Perúgia é
conhecer uma das regiões mais
peculiares da Itália: a Úmbria.
Portas e poços, lápides e pedaços
de estátuas, ali estão os vestígios
daquele povo meio misterioso e
universal a partir do qual foi gerado, em muitos sentidos, o próprio Ocidente.
Mas Perúgia é muito mais do
que uma aula de história. É, apesar de um pouco contra a vontade, uma cidade romana, dominada pelos papas, que fizeram da
Úmbria uma espécie de cinto de
segurança de Roma, terra de ninguém entre o Lácio e a Toscana,
região mediterrânea num país
cercado de água por três lados.
Cidade típica do medievo, ao
mesmo tempo ali estão as fachadas da Renascença e do tardo
barroco, até mesmo do "rissorgimento" em sua praça central.
Em muitos outros lugares há
destroços da Antiguidade, cintados por fatigadas muralhas: Jerusalém, Cairo, Estocolmo, Gotland,
Atenas, Lucca. Formam um chão
isolado, proibido ao tráfico e à
modernidade. Não é o caso de Roma e de Perúgia, as únicas cidades em que o centro histórico se
integra na vida cotidiana.
As vielas medievais ali estão,
sombreadas e cheirando a pão
-não se sabe por que a Idade
Média que nos restou ainda cheira a pão, a um pão bastante problemático para a época. É descer
a praça principal da cidade, cruzar a Maestà delle Volte e esbarrar com enormes muralhas de pedra, as mais altas da Europa
-com exceção das catedrais
também góticas.
Não era arbitrário o tamanho
dos edifícios: a altura revelava
grandeza e poder -atributos que
não faltaram à Perúgia medieval.
Preocupados com a independência dos peruginos, tanto na política como nas artes, os papas resolveram dominá-la -e o fizeram
com a mão pesada do poder centralizador. Paulo 3º cercou a cidade e praticamente a destruiu no
estilo da época: não deixou pedra
sobre pedra.
Dominada a rebelde, o mesmo
papa mandou edificar a fantástica muralha que ainda hoje leva o
seu nome, a Rocca Paolina, uma
espécie de fortaleza que circunda
o ponto mais alto da cidade -como todas as vilas medievais, Perúgia domina o topo de uma colina, ocupando os cimos de uma
sucessão de pequenos montes. Para o forasteiro, que chega de Roma ou de Florença, ainda hoje ela
se alça com elegância e de suas janelas se descortina uma das paisagens mais encantadoras: o vale
do Tibre, o mesmo Tibre que, 180
quilômetros ao sul, corta em duas
a cidade dos césares.
Vale imenso e sagrado, umbroso e verde, vale dos santos que
mudaram a face do homem: não
muito distante dali, o forasteiro
que olhar para o lado verá a silhueta de Assis -também pedra
e encanto. O ar é azul na Úmbria,
azul e sereno, as aves que ali gorjeiam são as mesmas que pousaram no ombro de Francisco também de Assis. Se olhar para outro
lado, verá Nórcia, onde nasceu
outro santo, Bento, que daria ao
homem a alternativa da solidão.
É a terra de Pietro Vannucci,
que passou para os museus como
o Perugino. É dele a principal estátua da cidade, maior e mais imponente do que a própria estátua
equestre de Vittório Emannuelle
2º -decoração mais ou menos
obrigatória da Itália unificada no
"ottocento".
Perugino foi mestre de Rafael
-a cidade ainda conserva os
passos do jovem que dali partiu
para conquistar Roma e Júlio 2º.
Os toscanos não apreciam demasiadamente a pintura de Perugino, a rivalidade paroquial contaminou também os grandes momentos da história e do homem.
Mas Perugino é presença tão forte
e compacta em Perúgia quanto
Bernini em Roma, Bruneleschi
em Florença, Guardi em Veneza.
É um pintor másculo e, nesse sentido, é bem um artista da Renascença.
Como toda cidade beirando os
300 mil habitantes, Perúgia conserva a forma simples e bonita de
viver e conviver. No Palazzo dei
Priori, admira-se não apenas a
extraordinária curva de pedra
que parece ter se amoldado ao
tempo. Ali estão os tesouros do
Collegio del Cambio, a Galeria
Nazionale dell" Umbria, um dos
museus mais bem organizados e
lógicos do mundo. E a imensa sala onde se realizam concertos de
boa qualidade e sustância.
E há a deliciosa fonte maior,
Fontana Maiore, obra-prima dos
dois Pisanos, pai e filho, até hoje
orgulho e símbolo da cidade. E há
também a comida local, variante
da culinária úmbria com sutilezas várias e surpreendentes. Uma
grande comida, afluente da
imensa e quase infinita culinária
italiana. Fora da rota dos turistas
e executivos apressados, Perúgia é
uma senha de bom gosto, senha
de história, senha de verdade.
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