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ANÁLISE
Morre também Hollywood
AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Ninguém é perfeito: Billy
Wilder está morto. Com ele,
morre também o que nos acostumamos a chamar de Hollywood.
Austríaco de nascimento, Wilder refugiou-se nos EUA da sanha
nazista, num fluxo que enriqueceu sobremaneira o nascente cinema sonoro americano com colaborações de Fritz Lang e Jean
Renoir, entre muitíssimos outros.
Wilder seria o mais bem adaptado desta segunda leva de imigrantes que escreveram as primeiras e
mais brilhantes páginas da história de Hollywood.
No início, Hollywood era um
endereço. Logo se tornou um ensolarado centro de filmagens para
onde convergiram imigrantes judeus centro-europeus. Wilder desembarcou em Los Angeles na aurora da chamada "era dos estúdios". O cinema começara a falar,
a produção americana tornara-se
internacionalmente hegemônica
e diretores passavam a ganhar poder no processo industrial.
Wilder estreou como roteirista,
tendo por mentor o mestre da comédia alemã, Ernst Lubitsch
(1892-1947). Até o fim de seus
dias, Wilder bateria continência
ao diretor de "Ninotchka" (1939).
A sensibilidade fílmica contemporânea, contudo, sempre esteve
para próxima do toque Wilder
que do pioneiro toque Lubitsch.
As deliciosas comédias lubitschianas sempre pareceram algo ingênuas. Seus modelos eram as operetas do século 19, não contaminadas pelas tormentas do mundo
pós-1914. Caberia a Wilder problematizar o modelo cômico de
Lubitsch, temperando-o com um
humor cáustico, sempre acompanhado por um travo de amargura.
Se existiu uma comédia muda antes e depois de Chaplin, há uma
sonora antes e depois de Wilder.
Europeu por contingência, cosmopolita por formação, americano por opção, não surpreende
que Wilder tenha criado o primeiro filme genuinamente maiúsculo
sobre Hollywood. "Crepúsculo
dos Deuses" (50) apresenta uma
visão diabolicamente premonitória do declínio do sistema de estúdios, ainda nos anos finais de seu
apogeu. Nunca antes Hollywood
teve revelada com igual crueldade
sua lógica predatória e autofágica.
Wilder voltaria a ele, sistema já
morto e enterrado, em seu penúltimo filme, o muito menos perfeito mas ainda assim muito subestimado "Fedora" (1978), cujas limitações eram reconhecidas pelo
próprio diretor. Se em "Crepúsculo" o "gênio do sistema" ainda
estava atuante, em "Fedora"
pranteava-se a ascensão de um
novo sistema sem qualquer genialidade, condenado a sucessos meramente argentários. Hollywood
já não era mais Hollywood.
O que a substituiu lhe manteve
o nome, mais por marketing do
que por direito. O lucro puro e
simples se impõe como único objetivo. A arte de grandes cineastas
e produtores foi posta de lado em
favor de produtos cada vez mais
infantilizados.
Wilder assistiu a tudo, como incômoda testemunha de acusação.
Farrapos humanos, em seus bem-cortados Armani, trafegam hoje
sorridentes entre Sunset Boulevard e Wall Street. Já era mais que
hora de Wilder descansar em paz.
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