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Da comédia ao drama, Wilder teve como traço recorrente a abordagem bem-humorada das relações humanas
Cineasta deixou marca em todos os gêneros
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Se alguém duvidava da capacidade de Billy Wilder como
contador de histórias -o que é
improvável- teria deixado toda
dúvida de lado ao ouvi-lo narrar,
em 1987, como entrou nos EUA,
nos anos 30, clandestinamente.
Estávamos na cerimônia do Oscar. Wilder entrou em cena para
receber seu prêmio honorífico e
contou a história rocambolesca
com tais detalhes e tanta vida que,
durante uns 20 minutos, o auditório só interrompia o silêncio
(mais atento do que respeitoso)
para cair na gargalhada.
Foi uma consagração não só de
Wilder como da idéia de mistura
de todos os povos e todas as influências que caracteriza a cultura
americana.
Apesar das dificuldades para
entrar no país, desde então Wilder fixou-se inicialmente como
roteirista de primeiro time. A partir de 1935, escreveu sucessos como "A Oitava Esposa de Barba
Azul" (1938) e "Ninotchka"
(1939), de Ernst Lubitsch, e trabalhou com Howard Hawks em
"Bola de Fogo" (1941).
Durante esse período de adaptação, tomou como ponto de
honra tornar-se um autêntico
americano, do tipo que gosta de
beisebol, anda de boné e tudo
mais. Era uma forma de esquecer,
talvez, a Áustria, país onde nasceu
em 1906 e onde começou uma
carreira já importante de roteirista, mas que teve de abandonar em
1934, após a subida de Hitler ao
poder -Wilder era judeu.
O sucesso como roteirista valeu-lhe a oportunidade de dirigir
pela primeira vez nos EUA, em
1942, "A Incrível Suzana", com
Ginger Rogers e Ray Milland.
Daí por diante não parou mais.
Da aventura ("Cinco Covas no
Egito", de 1943) ao filme noir
("Pacto de Sangue", 1944), do drama ("Crepúsculo dos Deuses",
1950) à comédia ("Quanto Mais
Quente Melhor", 1959), passando
ainda pela comédia dramática
("Se Meu Apartamento Falasse",
1960), Wilder foi capaz de abordar praticamente todos os gêneros -e em todos imprimir sua
marca.
Ou marcas. Uma delas foi a capacidade de dirigir estrelas. Passaram por suas mãos, em interpretações memoráveis, de Gloria
Swanson a Jack Lemmon, de
Marlene Dietrich a Barbara Stanwick, de James Cagney a Kim Novak, de William Holden a Shirley
MacLaine.
Mas foi com Marilyn Monroe
que mostrou sua habilidade no
trato humano. Atriz reconhecidamente difícil, Marilyn não raro
era punida por seus frequentes
atrasos no set de filmagem.
Não com Billy. Ele costumava
lembrar que tinha uma avó simpaticíssima, que nunca na vida
havia se atrasado a um compromisso. Porém ninguém pagaria
um centavo para vê-la num filme,
enquanto Marilyn atrasava, sofria
chiliques e tinha inseguranças insuperáveis, mas todo mundo queria vê-la. E foi vê-la, de fato, em "O
Pecado Mora ao Lado" (1955) e
em "Quanto Mais Quente Melhor" (1959), uma das melhores
comédias do cinema moderno.
É quase impossível listar as
obras-primas de Billy Wilder, que
tinha na regularidade uma das
suas principais características.
Mas não a única marcante, certamente, nesse que é um dos grandes cineastas da geração que estréia na direção no começo dos
anos 1940. Em qualquer gênero,
era capaz de observar o mundo
com o sorriso desconfiado e com
uma ironia que revelava, no fundo, um amargor evidente.
Não se pode esquecer, em qualquer circunstância, trabalhos como "Pacto de Sangue", "Crepúsculo dos Deuses, "O Pecado Mora
ao Lado", "Testemunha de Acusação" (1957), "Quanto Mais
Quente Melhor", "Se Meu Apartamento Falasse", "A Primeira
Página" (1974).
Em todos, a contiguidade é elemento recorrente. Por estarem
próximas, as pessoas se amam e
se odeiam. Como se tudo na vida
dependesse do acaso que leva a
um encontro. O resto corre por
conta dos homens, que podem
encaminhar as coisas para o melhor ou para o pior. Mas sempre
com um traço de humor.
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