São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 2002

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Da comédia ao drama, Wilder teve como traço recorrente a abordagem bem-humorada das relações humanas

Cineasta deixou marca em todos os gêneros

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Se alguém duvidava da capacidade de Billy Wilder como contador de histórias -o que é improvável- teria deixado toda dúvida de lado ao ouvi-lo narrar, em 1987, como entrou nos EUA, nos anos 30, clandestinamente.
Estávamos na cerimônia do Oscar. Wilder entrou em cena para receber seu prêmio honorífico e contou a história rocambolesca com tais detalhes e tanta vida que, durante uns 20 minutos, o auditório só interrompia o silêncio (mais atento do que respeitoso) para cair na gargalhada.
Foi uma consagração não só de Wilder como da idéia de mistura de todos os povos e todas as influências que caracteriza a cultura americana.
Apesar das dificuldades para entrar no país, desde então Wilder fixou-se inicialmente como roteirista de primeiro time. A partir de 1935, escreveu sucessos como "A Oitava Esposa de Barba Azul" (1938) e "Ninotchka" (1939), de Ernst Lubitsch, e trabalhou com Howard Hawks em "Bola de Fogo" (1941).
Durante esse período de adaptação, tomou como ponto de honra tornar-se um autêntico americano, do tipo que gosta de beisebol, anda de boné e tudo mais. Era uma forma de esquecer, talvez, a Áustria, país onde nasceu em 1906 e onde começou uma carreira já importante de roteirista, mas que teve de abandonar em 1934, após a subida de Hitler ao poder -Wilder era judeu.
O sucesso como roteirista valeu-lhe a oportunidade de dirigir pela primeira vez nos EUA, em 1942, "A Incrível Suzana", com Ginger Rogers e Ray Milland.
Daí por diante não parou mais. Da aventura ("Cinco Covas no Egito", de 1943) ao filme noir ("Pacto de Sangue", 1944), do drama ("Crepúsculo dos Deuses", 1950) à comédia ("Quanto Mais Quente Melhor", 1959), passando ainda pela comédia dramática ("Se Meu Apartamento Falasse", 1960), Wilder foi capaz de abordar praticamente todos os gêneros -e em todos imprimir sua marca.
Ou marcas. Uma delas foi a capacidade de dirigir estrelas. Passaram por suas mãos, em interpretações memoráveis, de Gloria Swanson a Jack Lemmon, de Marlene Dietrich a Barbara Stanwick, de James Cagney a Kim Novak, de William Holden a Shirley MacLaine.
Mas foi com Marilyn Monroe que mostrou sua habilidade no trato humano. Atriz reconhecidamente difícil, Marilyn não raro era punida por seus frequentes atrasos no set de filmagem.
Não com Billy. Ele costumava lembrar que tinha uma avó simpaticíssima, que nunca na vida havia se atrasado a um compromisso. Porém ninguém pagaria um centavo para vê-la num filme, enquanto Marilyn atrasava, sofria chiliques e tinha inseguranças insuperáveis, mas todo mundo queria vê-la. E foi vê-la, de fato, em "O Pecado Mora ao Lado" (1955) e em "Quanto Mais Quente Melhor" (1959), uma das melhores comédias do cinema moderno.
É quase impossível listar as obras-primas de Billy Wilder, que tinha na regularidade uma das suas principais características. Mas não a única marcante, certamente, nesse que é um dos grandes cineastas da geração que estréia na direção no começo dos anos 1940. Em qualquer gênero, era capaz de observar o mundo com o sorriso desconfiado e com uma ironia que revelava, no fundo, um amargor evidente.
Não se pode esquecer, em qualquer circunstância, trabalhos como "Pacto de Sangue", "Crepúsculo dos Deuses, "O Pecado Mora ao Lado", "Testemunha de Acusação" (1957), "Quanto Mais Quente Melhor", "Se Meu Apartamento Falasse", "A Primeira Página" (1974).
Em todos, a contiguidade é elemento recorrente. Por estarem próximas, as pessoas se amam e se odeiam. Como se tudo na vida dependesse do acaso que leva a um encontro. O resto corre por conta dos homens, que podem encaminhar as coisas para o melhor ou para o pior. Mas sempre com um traço de humor.


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