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RODAPÉ
O postscriptum da "Geração 90"
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Não existem mais movimentos estéticos, grupos de vanguarda com manifestos e propostas utópicas. Mas há hoje em São
Paulo um grupo de escritores que
mantêm uma intensa vida literária, com encontros em bares, troca de originais, lançamentos de títulos e até uma feira, a Primavera
dos Livros (que também acontece
no Rio), promovida por editoras
de pequeno porte, que veiculam
boa parte da produção daquilo
que poderíamos chamar de "Geração 90" (título, aliás, de uma antologia de contos lançada pela
Boitempo e organizada por um de
seus mais talentosos representantes, Nelson de Oliveira).
Nesta semana, doze desses autores lançaram uma revista intitulada "PS:SP", que dá uma boa
idéia das preocupações que rondam estas cabeças urbanas. Não
se trata de uma publicação com
periodicidade regular, mas de
uma "revista comemorativa" (segundo a expressão dos editores
Marcelino Freire e Nelson de Oliveira), um postscriptum daquilo
que "veio depois do que está escrito em SP", um instantâneo da
prosa realizada na cidade que é
uma metonímia do Brasil.
Com um projeto gráfico de cair
o queixo e imagens dos escritores
feitas pelo fotógrafo J.R.Duran,
"PS:SP" mostra como nossos
contistas e romancistas (diferentemente de nossos poetas) parecem gozar de certa liberdade
diante da tradição, de teorias e de
bandeiras estéticas, a ponto de terem concebido uma revista "sem
manifesto", "uma revista de uma
turma de escritores que se cruzou
um dia, bebeu cerveja, tomou café, falou mal dos outros", "sem
complicação, sem mistério".
Essa indiferença em relação ao
passado literário aponta, justamente, para um compromisso
não-literário com o presente. Embora se possa detectar continuidades entre, por exemplo, Nelson
de Oliveira e Campos de Carvalho, ou entre Fernando Bonassi e
Graciliano Ramos, o fato é que estamos diante de narrativas cujo
experimentalismo representa
menos uma pesquisa formal do
que uma tentativa de captar a dispersão da realidade contemporânea, o novo, o estranho, o desviante, o excluído.
Se a experiência da metrópole
define esses escritores de classe
média, o habitat de suas ficções é a
periferia ou o centro decadente,
cuja fauna de desvalidos, traficantes e sonâmbulos denota a falência dos projetos civilizatórios contidos na idéia da "urbe".
Há um evidente fascínio pela
marginalidade nessa geração e
por isso muitos dos contos de
"PS:SP" mimetizam essa paisagem de violência e degradação, o
jargão brutalista de "manos" e
"meganhas" (Bonassi, Ronaldo
Bressane, André Sant'Anna), um
cotidiano de melancolia doméstica (Ivana Arruda Leite, Marcelino
Freire) e uma vida pública que se
passa em padarias e lanchonetes
engorduradas, botecos esquálidos, ruas deterioradas (Bruno Zeni, Joca Reiners Terron).
Literatura, porém, não é simples reprodução do real. E a mimese (que está na raiz da imaginação literária) não é apenas imitação do existente, mas também
transcendência e abalo no sistema
de representações. Nos contos de
"PS:SP", essa transcendência aparece na maneira muito particular
com que cada escritor busca uma
pequena epifania a partir da sordidez. Em "Sexy Shop", por
exemplo, Marcelo Mirisola transforma a visita a uma loja de artefato eróticos em uma espécie de liturgia, um auto-de-fé com bonecas infláveis e cabines de peep
show. Claudio Galperin faz um
contraponto entre a história do
arquiduque Ferdinando (cujo assassinato deflagrou a Primeira
Guerra) e uma história de amor
com "o sublime e o terrível habitando a mesma morada". E Luiz
Ruffato dá continuidade a uma
obra composta de narrativas intimistas e fragmentárias, afastando-se bastante dos demais autores da coletânea.
Tal diversidade de recursos
criativos mostra como essa geração de escritores, embora mantendo os pés na realidade, procura na literatura uma forma de
compreensão e ultrapassamento.
Nesse sentido, o belíssimo "Salmo", de Marçal Aquino, vale como uma meditação sobre o misto
de atração e repugnância que essa
realidade de destruição exerce sobre todos nós.
PS:SP
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: vários
Editora: Ateliê (tel. 0/xx/11/ 4612-9666)
Quanto: R$ 30 (104 págs.)
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