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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"ONZE MINUTOS"

Escritor lança seu primeiro livro depois de ingressar na ABL

"Meu trabalho sempre foi político", diz Paulo Coelho

MARCELO PEN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

De volta à Rocco, editora em que se consagrou, o escritor Paulo Coelho, 56, lança um livro em que aborda a prostituição e o sadomasoquismo. Autor de obras em que uma temática menos mundana ajudou a vender quase 54 milhões de exemplares em 150 países, o ficcionista diz não temer desagradar seus leitores.
Segundo ele, embora "Onze Minutos" fale do submundo, não é "nem sobre a prostituição nem sobre as desventuras de uma prostituta e sim sobre o processo interior de uma pessoa na busca por sua identidade sexual".
A pessoa é Maria, jovem nordestina que viaja à Suíça iludida por promessas de estrelato e acaba optando pelo meretrício. O autor inspirou-se na história real de uma mulher hoje casada, mãe de dois filhos, e apoiou-se em depoimentos de várias colegas dela.
Para falar de "Onze Minutos", o escritor recebeu a Folha em seu apartamento em Copacabana, no Rio. Acabou discorrendo também sobre a guerra no Iraque e sobre os planos de Hollywood de filmar seus romances. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Folha - Sua protagonista se tornou prostituta por causa de dificuldades financeiras?
Paulo Coelho -
Não respondo a essa pergunta no livro. Há um momento em que a Maria faz uma lista com as desculpas mais usadas pelas pessoas que se prostituem. Nenhuma é totalmente satisfatória. Procuro não julgar. Para mim, continua sendo um mistério. Mesmo quando ela pratica o sadomasoquismo, é antes por uma vontade de desvendar um mundo desconhecido.

Folha - Como em "A Bela da Tarde", de Luis Buñuel: não sabemos por que a personagem de Catherine Deneuve se prostitui.
Coelho -
E ela aceita tudo. O filme inspirou o nome de um dos personagens do livro, o Terence.

Folha - O senhor escreveu um artigo, publicado pela Folha, "Obrigado, Presidente Bush", que alcançou enorme repercussão.
Coelho -
Tornou-se o texto mais lido na internet. Mas desagradou muita gente também, sobretudo nos EUA. Pediram à editora que interrompesse a publicação de meus livros. Disseram que estava me metendo numa área que não é a minha. Discordo. Meu trabalho sempre foi político, no sentido de questionar o comportamento.

Folha - Como o senhor analisa o desenrolar da guerra no Iraque?
Coelho -
Paul Valéry uma vez disse que a guerra é um massacre entre pessoas que não se conhecem para o benefício de pessoas que se conhecem, mas não se massacram. Vejo o conflito com impotência e profunda amargura. Por outro lado, percebemos que os movimentos pacifistas não estão agindo em vão. A invasão está sendo severamente vigiada.

Folha - Não acha o precedente político aberto pelos EUA perigoso?
Coelho -
Dei uma entrevista a uma revista árabe. Eles não concordaram comigo, mas acho que esse precedente, como ele se desencadeou, sem o apoio da ONU, sem o apoio das ruas, impede os invasores de dar um passo além do Iraque. Do contrário, haveria uma desestabilização geral. Creio que será o fim da doutrina Rumsfeld [Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA".

Folha - "Onze Minutos" está sendo lançado pela editora que o alçou ao sucesso, a Rocco. E quanto aos direitos de suas obras anteriores?
Coelho -
Vão ficar com a Rocco. No período em que estive na Objetiva, renovei duas vezes meu contrato com a Rocco em relação aos livros anteriormente publicados por ela.

Folha - Como andam os planos para as filmagens de "O Alquimista" pela Warner Brothers?
Coelho -
Falei com o Fishburne [o ator Laurence Fishburne, de "Matrix"", que vai dirigir o filme. Estão em fase final de roteiro. Sou muito cauteloso, mas me parece que será um bom trabalho. No passado fui convidado para ir a Hollywood, mas não aceitei. Quero pagar o ingresso, ver o filme e ter a liberdade de dizer se gostei.

Folha - Não há nenhuma outra proposta?
Coelho -
Gillian Anderson, a atriz da série "Arquivo X", quer filmar "Veronika Decide Morrer". Faz um ano que estamos conversando, mas ainda não assinamos nada. A proposta dela é boa, mas ainda não estou muito convencido. Prefiro esperar.

Folha - Como anda sua vida na Academia Brasileira de Letras?
Coelho -
A ABL representou uma surpresa, pois tem superado minhas expectativas mais otimistas. Quero trabalhar com ela no sentido de levar o conjunto de escritores brasileiros para o exterior. Difundir a riqueza de nossa cultura demanda um grande esforço conjunto.

Folha - Os estrangeiros desconhecem nossa literatura?
Coelho -
Muitos nem sabem que sou brasileiro; não é a maioria, mas há leitores que julgam que sou espanhol, francês, português. Machado de Assis e Clarice Lispector estão restritos ao âmbito universitário, infelizmente. Excetuando dois escritores que são muito traduzidos, o Jorge Amado e o José Mauro de Vasconcelos, a presença da literatura brasileira no exterior deixa a desejar.


O jornalista Marcelo Pen viajou a convite da editora Rocco.


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