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LIVRO/LANÇAMENTO
"HIPÉRION OU O EREMITA NA GRÉCIA"
Romance epistolar de Friedrich Hölderlin agrega filosofia, política e poesia
Obra dá voz a lamento grego por seu declínio
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
"Com frequência, caminharemos na noite alegre pelas sombras de nosso pomar e escutaremos o deus em nós, enquanto as plantas levantam sua
cabeça baixa da sonolência do
meio-dia e a vida silenciosa das
suas flores se refresca banhando
no orvalho seus braços ternos... E
então, pela manhã, quando o nosso vale, como um leito de rio, se
enche de luz cálida e a correnteza
dourada corre silenciosa por entre as árvores, rodeando nossa casa, e a sua criação embelezará os
cômodos encantadores, e você caminhará nesse brilho solar e
abençoará o meu dia com a sua
graça, querida!"
E então imagine mais umas 160
páginas de prosa nesse tom e respire fundo. Este é o "Hipérion",
romance epistolar de Friedrich
Hölderlin (1770-1843).
Trata-se de um dos mais importantes textos da literatura alemã,
não só pelas características poéticas da narrativa, como também
por suas dimensões filosóficas e
políticas. De fato, há muita filosofia, política e poesia ao mesmo
tempo neste livro -e bem pouca
narrativa. Amigo de Hegel e Schelling, Hölderlin imagina uma sequência de cartas escritas por um
jovem grego, Hipérion, a um amigo alemão, Belarmino.
Hipérion lamenta o estado de
desalento de seu país (a Grécia, no
século 18, vivia sob o domínio turco), em contraste com a harmonia
e a vitalidade espiritual da Antiguidade. Encontra no belo guerreiro Alabanda alguém que o inspira ao entusiasmo patriótico e a
ferventes comoções amorosas.
"Ele, amargurado e embrutecido
desde a juventude e, contudo,
cheio de amor no mais fundo do
coração (...) Eu, no mais íntimo, já
tão apartado de tudo, no mais
fundo da alma, estranho e solitário entre os homens (...) Os dois
jovens não deveriam se abraçar,
então, numa pressa tempestuosa
e alegre?"
Mas logo surge entre Alabanda
e Hipérion um desentendimento,
apresentado em parágrafos mais
nebulosos do que o anterior. Mais
tarde Hipérion conhecerá a angelical e florescente Diotima, com
quem partilhará suas reflexões sobre o passado grego.
Peripécias vagas e exasperadas
afastam Hipérion de Diotima, fazem-no reconciliar-se com Alabanda, separar-se deste em seguida e, mais uma vez, perder Diotima; são desencontros que o narrador atribui, em parte, às confusas e frustradas tentativas militares de libertação da Grécia, na batalha de Tcheshmé (1770). Ler
"Hipérion" como um romance,
como pura obra ficcional, é arriscar-se a sérios reveses perante as
forças do entorpecimento, da desatenção e do tédio. Assim como a
Alemanha nos tempos de Hölderlin, o livro é um território disperso
e fragmentário, em que cada página conta com desiguais poderes
de persuasão. Porém, se é flagrante o paralelo entre a debilidade
política da Alemanha e o declínio
irrecuperável da Grécia aos olhos
de Hölderlin, o texto deriva disto
alguns de seus momentos mais
expressivos.
"Não consigo ver um povo tão
dilacerado como os alemães. Você vê artesãos, e não homens; pensadores, mas não homens; sacerdotes, mas não homens; senhores
e servos, jovens e pessoas sérias,
mas não homens... "Cada qual faz
o que lhe compete", você dirá, e eu
também o digo. Só que é preciso
fazê-lo com toda a alma (...) e um
ser humano, uma vez adestrado,
serve apenas ao seu objetivo, busca seu proveito, não se entusiasma mais."
O problema, claro, não é só germânico. Para Hölderlin, quando
alguém se deixa prender à sua especialidade estaria se dissociando
de si mesmo, da natureza e dos
seus iguais. A busca da harmonia
do homem com a natureza e a aspiração a uma livre comunidade
política -Diotima e Alabanda-
se entrelaçam no livro de Hölderlin; "Hipérion" formula de modo
lírico preocupações que, com
Schelling, Hegel e Marx modificariam a história da filosofia e da
política a partir do século 19.
Já havia uma tradução do livro,
feita por Márcia de Sá Cavalcante,
para a editora Vozes. A primeira
frase ficou assim: "A esse livro
gostaria de ver dedicado o amor
dos alemães". A nova tradução,
de Erlon José Paschoal, é mais clara: "Gostaria que esse livro recebesse o amor dos alemães".
Mas nem sempre a clareza se
sustenta. Apenas um exemplo. "A
natureza era sacerdotisa e o homem o seu deus. Nela, toda a vida
e cada forma e cada som oriundo
dela eram apenas um eco entusiasmado do magnífico ao qual
ela pertencia." Some-se a isso um
uso inconvincente do "você" e de
outras coloquialidades ("Escute
aqui!") e o leitor desta edição tem
um caminho bastante áspero à
sua frente. Como recompensa, o
excelente posfácio de Alexander
Honold completa o livro.
Hipérion ou o Eremita na Grécia
Autor: Friedrich Hölderlin
Editora: Nova Alexandria
Tradução: Erlon José Paschoal
Quanto: R$ 26 (184 págs.)
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