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Sobre o papel da literatura
da Reportagem Local
Leia a seguir trechos inéditos do
ensaio "Filologia da Literatura
Universal", a ser publicado em
"Ensaios Literários de Erich
Auerbach", da "Espírito Crítico".
"Já é tempo de nos perguntarmos
sobre o significado que pode ter o
termo "literatura universal", em
seu sentido goethiano, quando referido ao presente e ao futuro provável. Nossa Terra, que constitui
todo o domínio da literatura universal, torna-se a cada dia menor
e mais pobre de diversidade.
"Ora, a literatura universal não
se refere simplesmente aos traçoscomuns da humanidade, e sim
a esta enquanto fecundação recíproca de elementos diversos. Seu
pressuposto é a "felix culpa" da
dispersão da humanidade em
uma variedade de culturas. E o
que acontece hoje, o que se está
preparando? Por mil razões, de
todos conhecidas, a vida humana
uniformiza-se em todo o planeta.
O processo de achatamento, originário da Europa, estende-se cada vez mais e soterra todas as tradições locais. É certo que, por toda parte, o sentimento nacional é
mais forte e mais barulhento do
que nunca, mas em toda parte ele
toma a mesma direção, isto é, rumo às formas da vida moderna; e
já é claro para o observador imparcial que os fundamentos intrínsecos da existência nacional
estão se dissolvendo. As culturas
européias ou fundadas por europeus, acostumadas a um longo e
frutífero intercâmbio entre si, e
além disso apoiadas pela consciência de seu próprio valor e modernidade, são as que melhor preservam a auto-suficiência, ainda
que também aqui o processo de
nivelamento progrida muito mais
rapidamente do que antes. Mas a
estandardização -seja conforme
o modelo europeu-americano, seja conforme o russo-bolchevista- espalha-se sobre tudo; e não
importa quão diferentes sejam os
modelos, suas diferenças são relativamente pequenas se os compararmos com os antigos substratos
-por exemplo, com as tradições
islâmica, hindu ou chinesa. Se a
humanidade conseguir escapar
ilesa aos abalos que ocasiona um
processo de concentração tão violento, tão vigorosamente rápido e
tão mal preparado, então teremos
de nos acostumar com a idéia de
que, numa Terra uniformemente
organizada, sobreviverá uma só
cultura literária, que dentro de
pouco tempo permanecerão vivas
umas poucas línguas literárias (e
talvez logo apenas uma). E assim
a noção de literatura universal
ver-se-ia simultaneamente realizada e destruída." (...)
"Tanto quanto sei, não possuímos ainda nenhuma tentativa de
uma filologia sintética da literatura universal, a não ser por algumas tentativas nesse sentido no
âmbito da cultura ocidental. Contudo, quanto mais a Terra se
amalgama, tanto mais deverá se
ampliar a atividade sintético-perspectivística. Tornar os homens conscientes de si (...) é uma
grande tarefa e entretanto bem
pequena, se pensarmos que não
estamos apenas na Terra, mas
também no mundo, no universo.
O que outras épocas empreenderam, isto é, a determinação do lugar do homem no universo, parece-nos hoje distante.
"Seja como for, nossa pátria filológica é a Terra -a nação já não
pode sê-lo. É certo que a coisa
mais preciosa e indispensável que
o filólogo herda é a língua e a cultura de sua nação; mas é preciso
afastar-se delas e superá-las para
que se tornem eficazes. Temos de
retornar, em circunstâncias diferentes, ao que a cultura pré-nacional da Idade Média já possuía: a
consciência de que o espírito não
é nacional. Assim escreve Hugo
de São Vítor (Didascalicon III.
20): "O grande princípio da virtude é que o espírito, exercitado
paulatinamente, aprenda primeiro a transformar estas coisas visíveis e transitórias, para em seguida poder mesmo abandoná-las.
Delicado é aquele para quem a
pátria é doce. Bravo, aquele para
quem a pátria é tudo o que existe.
Mas perfeito é aquele para quem
o mundo inteiro é exílio...". Hugo
dirigia-se aos que buscavam a libertação do amor às coisas terrenas. Mas este é um bom caminho
para aqueles que desejam conceber o devido amor ao mundo."
Tradução José Marcos Macedo e Samuel
Titan Jr.
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