São Paulo, sábado, 29 de abril de 2000


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POESIA
"Viagem de Inverno" reúne os livros de versos do escritor português Helder Macedo
O poeta precede o romancista

HEITOR FERRAZ
especial para a Folha

O romancista português Helder Macedo, autor de "Pedro e Paula", chega ao Brasil para participar do Salão de Idéias da Bienal Internacional do Livro (ele participa do debate "Literatura e Sociedade: A Outra História", amanhã) e também para lançar sua poesia reunida, no volume "Viagem de Inverno e Outros Poemas".
Como seu conterrâneo José Saramago, Macedo também começou pelos versos antes de adentrar a prosa. Seu primeiro livro, "Vesperal", foi publicado em 1957 e de lá para cá ele nunca abandonou a poesia. Na verdade, o romance é coisa bem mais recente em sua trajetória: o primeiro, "Partes de África", é de 1991. Foi na poesia que ele elaborou sua prosa requintada e seus temas de predileção, como se pode perceber ao ler "Viagem de Inverno".
Professor titular da cátedra Camões do King's College, de Londres, Macedo é um lírico por excelência. Sua poesia é marcada por um aprofundamento da subjetividade, um mergulho nas questões essenciais, ou seja, a luta travada diariamente entre a morte e o amor, ou como ele mesmo resume: "Já cantei da morte/ já cantei do amor/ estavam longe e perto/ sabia-os de cor".
Desde "Vesperal", Macedo vem explorando esse tema, revendo-o sob vários ângulos, como o da individualidade do sujeito frente ao outro, algo que também comparece no romance "Pedro e Paula". Esse traço está fortemente registrado num de seus versos de juventude: "Nada redime o logro/ se a vida é o limite de ser outrem". Certamente este é um dos traços mais fortes de sua poesia. Em "Os Trabalhos de Maria e o Lamento de José", de 1966, ele reaparece numa curiosa releitura da vida de Cristo, no qual se vê a angústia de José e Maria, um dos pontos altos dessa poética, principalmente quando José se lamenta, velho e só, dizendo "Que venha a morte/ mas que seja minha".
Cada um dos livros de poesia de Macedo talvez preceda o romancista, pois há neles uma forte organização que procura dar coesão narrativa à sua lírica. Em "Viagem de Inverno" (1999), que abre esta reunião de poemas, o poeta parte parodiando Dante: "A meio do caminho/a mais de meia vida já vivida/ reencontrei-me só na selva escura". E continua: "E não sei de que lado está a morte/e não sei se é o amor quem a sustenta...". Neste livro, sua poesia chega um pouco mais despojada, permitindo a entrada de maiores elementos prosaicos, como um hotel perdido na estrada, "vazio e duvidoso/ galo campestre em luxo desplumado/ e onde o chefe já perdera a estrela/ por exagero de maçã nos molhos".
Por muitas vezes, porém, o rio sai do leito e o poeta chega a se esparramar num tom confessional que chega a ser um pouco cansativo. De qualquer forma, o lançamento pela Record dos poemas de Macedo e, também recentemente, do belo livro "Poemas de Eugénio Andrade", um dos mais brilhantes escritores portugueses, mostram preocupação em colocar os leitores brasileiros em maior contato com a lírica moderna da "terrinha". Seja para gostar ou não.


Avaliação:    

Livro: Viagem de Inverno
Autor: Helder Macedo
Editora: Record
Quanto: R$ 25 (192 págs.)


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