UOL


São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O cineasta João Moreira Salles filma retrato não-verbal de Nelson Freire em documentário que estréia na sexta

Tocata e fuga para pianista

Divulgação
Cena de "Nelson Freire", documentário que tem narrativa guiada pelos gestos do pianista


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Como sempre, o sr. Freire não atendeu os pedidos de entrevista deste jornal."
O trecho publicado no diário norte-americano "The New York Times" ilustra, no documentário "Nelson Freire" (que estréia nos cinemas na sexta), o caráter reservado do pianista brasileiro, um dos maiores talentos mundiais.
Quando decidiu fazer um filme sobre Nelson Freire, 58, o cineasta João Moreira Salles, 41, sabia que se colocava diante de um "paradoxo". "A rigor, ele não lhe oferece nada. Mas só não lhe oferece nada se você for cego para perceber o que está sendo oferecido de outra maneira, tão profunda, tão rica, tão bela quanto alguém que é extraordinariamente articulado, desenvolto e exuberante."
O filme se vale, portanto, de "uma maneira não-verbal" de retratar seu personagem.
Freire não desconhece o desafio que impõe ao cineasta nem a solução para contornar sua pouca inclinação aos diálogos. "Eu não podia ficar totalmente passivo, tinha que contribuir um pouco, mesmo que de uma maneira mineira. Os mineiros têm esse dom de não dizer nada e dizer tudo."
Optou por contar a história de sua vida através de gestos, encontros e arquivos pessoais franqueados. No último dia de filmagens, documentarista e personagem se encararam para uma entrevista.
Nesse momento, acumulavam dois anos de convívio, durante os quais Moreira Salles e sua equipe acompanharam Freire em turnês no Brasil e no exterior. O pianista achou a presença "jamais excessiva, invasiva, desconcertante".
Ao contrário. "Fui gostando daquela comitiva. Quando acabou, senti falta de ter aquelas pessoas ali, falando a minha língua, participando comigo. Turnês são muito solitárias", diz.
Para interferir o menos possível, Moreira Salles abriu mão de aperfeiçoar as condições técnicas das filmagens, como as de luz, por exemplo. "Era preciso ter cuidado, principalmente nas situações do teatro. Seria impossível, na hora em que ele vem andando nos bastidores, colocar uma luz sobre ele, tornando-o consciente de estar sendo filmado, quando está inteiramente mergulhado na concentração e na angústia de ter que entrar no palco", diz o cineasta.
No diálogo com o diretor -que pontua todo o filme-, Freire revela por que evita aparecer em publicações, mesmo as mais prestigiosas, como o "New York Times". "Fazer música não é competição. Quando te põem acima da música, já distorce tudo."
Por que então desvelar-se num documentário? "Sou o resultado de outras pessoas. Não me fiz sozinho. Por ter sido menino prodígio, muita gente pensa que, se eu estudasse com xis ou ipsilone, seria a mesma coisa. Não é verdade. Gostaria que todos soubessem. Meninos prodígios existem muitos; que acabam meninos, acabam prodígios. Ter resgatadas as histórias da minha professora, do meu pai foi algo muito importante para mim."

Veja fotos do filme em www.folha.com.br/ilustrada


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: "Nelson Freire": Filme é simpático, reticente, frustrante
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.