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São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

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"ARTE E SOCIEDADE - UMA RELAÇÃO POLÊMICA"

Obras são apresentadas como agentes de outras falas

TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tendo como pano de fundo a idéia de preocupação social na arte, a coletiva "Arte e Sociedade", aberta recentemente no Instituto Itaú Cultural, procura demonstrar as formas assumidas por diferentes poéticas que trataram desse vínculo pronunciado.
Assumidamente, a curadoria de Aracy Amaral enfatizou trabalhos que marcam posição em questões tópicas de sua época e tomaram posição no debate público. Dividida em três núcleos cronológicos, um que vai de 1930 a 1945, outro de 1946 a 1970 e, por fim, o último que segue de 1971 e aporta em 2003, a mostra seleciona trabalhos que expressam as indignações de um período ou a vida social de alguns grupos.
Nos diversos recortes temporais, os trabalhos são relacionados a canções, assim o espectador é tentado a fazer conversar o que se vê com o que sai dos falantes. Procura um assunto comum. Portanto, a relação entre arte e sociedade buscada aqui, que poderia ser abordada de inúmeras maneiras, diz respeito a um uso social da arte, ao que ela tinha a dizer sobre um determinado contexto.
O tal compromisso social aparece menos nas formas de realização da obra e mais num vínculo que os trabalhos estabelecem com manifestações laterais ao objeto de arte, preferencialmente enraizados nos conflitos mais expressos no período, aos grandes debates. Dessa forma, a arte não aparece como um agente que ilumina o que não foi dito, participa de discussões determinadas por outros.
Tal forma de lidar com o assunto, sob o ponto de vista artístico, embora pareça problemática, pois minimiza a ação da obra em si, guarda algumas virtudes. A mais expressiva nos informa sobre relações históricas latentes entre trabalhos que parecem não guardar continuidade nenhuma uns com os outros.
Na sala dedicada aos trabalhos de 46 a 70, é possível identificar uma linha histórica, que vai do panfletarismo ilustrativo da gravura socialista que sai de Carlos Scliar até certo teor publicitário da pop mais engajada dos anos 70. Os quadros denunciam a passagem de um padrão de politização calcado numa idéia de consciência de classe, típico do PCB, para outro, de denúncia anônima, forte nas diversas agremiações de resistência ao regime militar.
No entanto, apesar dessa capacidade de iluminar relações culturais interessantes e tácitas entre os trabalhos, a forma da mostra acaba jogando-os numa vala comum da qualidade. Ela nos fecha um aspecto crucial da relação entre arte e sociedade: a atuação específica das obras na sua capacidade de elaborar a realidade.
Tratadas como forma de expressão de determinados anseios históricos ou, no melhor dos casos, manifestação cultural de certos grupos urbanos, as obras deixam de ser avaliadas por sua capacidade específica de produzir sentidos e passam a funcionar como um agente de outras falas.
Parece que a arte só se legitima se servir em outros fronts, mostrando-se incapaz de, por si mesma, produzir relações mais francas e fortes com o mundo, mudando sua cara. Quem passa pela exposição depara-se com vários trabalhos que exigem esse desafio, mesmo que muitas vezes eles apareçam para cantar em coro.


Tiago Mesquita é crítico de arte

Arte e Sociedade  
Onde: Instituto Itaú Cultural (av. Paulista, 149, São Paulo; tel. 0/xx/11/ 3268-1777)
Quando: de ter. a sex., 10h/21h. Sáb., dom. e dia 1º/5, 10h/19h. Até 29/6.
Quanto: entrada franca


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