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TEATRO/CRÍTICA
Gero Camilo honra a sua (e a nossa) aldeia
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Gero Camilo é um desses privilegiados que souberam
manter intacta dentro de si a infância. Suas crônicas misturam
com desenvoltura memória e fantasia e, quando é ele mesmo que
vai para a cena narrá-las, o encantamento é garantido. É o caso de
"Aldeotas", na qual ele interpreta
Levi, o menino poeta que não cabe em sua aldeia, e Elias, seu melhor amigo que não teve a mesma
coragem de sair de lá. Muitos
anos depois, na véspera de voltar,
Levi manda a Elias uma peça de
teatro, que evoca flashes de suas
aventuras.
Em uma metalinguagem sem
enigmas, a peça mostra a leitura
dessa peça. Sentados em um tapete que, junto com uma iluminação nordestinamente mágica de
"céu cor de cor de céu" constitui a
essencial ambientação de Marisa
Bentivegna, evocam em "faz-de-conta" momentos marcantes da
vida de qualquer um.
A diretora Cristiane Paoli Quito,
cúmplice de primeira hora, monta uma partitura de movimentos
tão precisa que chega a ser invisível, e nesse aparente improviso
Gero Camilo mostra o imenso
ator que é.
A seu lado, Marat Descartes
cumpre com generosidade a difícil função de "escada", o ator que
está lá para segurar firmemente o
colega que voa no trapézio da memória. Mas não se deduza daí que
é um ator menor.
Em "Entreatos", espetáculo
composto por outros dois textos
de Camilo em cartaz no Arena,
Descartes mostra uma grande
maturidade. "Café com Torradas", o primeiro monólogo, exige
do ator uma entrega total: pateticamente de pijama em uma sala
de espera, ele vai reconstituindo a
sua história, contracenando com
a platéia, que com ele espera. O fio
narrativo é tênue, pouco mais que
uma piada, mas, sem nenhuma
ênfase (em grande contraste com
trabalhos passados), Marat Descartes constrói um personagem
vulnerável e tocante.
Na segunda peça, "Quem Dará
o Veredicto?", contracena com
Paula Cohen, que faz uma mulher
à beira de um ataque de nervos, a
quem o marido suporta com ambígua resignação. O tom aqui beira o besteirol, e a história, mais estapafúrdia, possibilita à atriz exercitar um impagável repertório de
marcas e tons; mas, por outro lado, faz com que a performance
ofusque a narrativa, que acaba se
arrastando.
Mas o humor de Gero Camilo,
sua despretensão, conquista de
qualquer jeito. Afinal, o dramaturgo-poeta-ator-diretor foi do
Ceará a Hollywood sem vender
sua alma, sem perder de vista sua
Esperança de origem: Camilo é
um exemplo raro de profeta em
seu próprio país, daqueles que você encontra voltando da feira e
que conhece o seu cachorro pelo
nome. É muito bom estar na mesma aldeia que ele.
Aldeotas
Direção: Cristiane Paoli Quito
Com: Marat Descartes, Gero Camilo
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro
Ramos, 915, SP, tel. 0/xx/11/6602-3700)
Quando: sáb. e dom., às 18h; até 2/5
Quanto: R$ 15
Entreatos
Direção: Ivan Andrade e Gero Camilo
Com: Marat Descartes, Paula Cohen
Onde: teatro de Arena Eugênio Kusnet
(r. Teodoro Baima, 94, SP, tel. 0/xx/11/
3256-9463)
Quando: qui. e sex., às 21h30; até
amanhã
Quanto: R$ 12
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