São Paulo, Quinta-feira, 29 de Abril de 1999
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CONTARDO CALLIGARIS
Adolescente quer ser diferente como todo mundo

Os EUA estão de luto e em choque pelas mortes em Littleton, Colorado. Sem contar os feridos, são 12 jovens e um professor exterminados por dois alunos um pouco mal-adaptados, que entraram no colégio como Schwarzenegger no posto de polícia do "Exterminador do Futuro". Ou então como Leonardo DiCaprio no "Diário de um Adolescente".
DiCaprio, naquele filme, apenas sonhava com sua vingança homicida. Eric Harris e Dylan Klebold não se contentaram com sonhos. Fizeram.
Muitos rapazes, aliás, confirmarão que o sonho é banal. Há dias nos quais é bom se imaginar descendo sobre colegas e professores como um anjo da morte. "Doom", ou jogo parecido, pode acontecer na escola.
Realizar esse sonho é menos banal. Ainda bem. Mas, desde 1997, em seis escolas americanas, oito adolescentes (um deles, na verdade, apenas uma crianças de 11 anos) passaram da telinha para a realidade.
Eric e Dylan foram os mais cruentos. Também foram os únicos que saíram de cena se suicidando. Aparentemente, quando deixaram a palavra ao ódio e às armas, não acreditavam ter um futuro, nem queriam mais ter um presente.
Vivemos numa cultura onde a violência, banida em princípio do convívio social, é, por outro lado, constantemente idealizada. A imprensa saqueou estatísticas da TV-Free América (tvfa@essential.org); por exemplo, o jovem americano médio vê televisão 1.500 horas por ano (e está na escola 900 horas). Aos 18 anos, terá assistido a 16 mil assassinatos e 200 mil atos de violência. Isso sem contar as horas passadas no cinema, brincando com "Duke Nukem", "Quake", "Mortal Kombat", "Doom" etc. Ou escutando Marilyn Manson, dark metal ou rap.
A isso acrescenta-se uma geração de pais que, como notava Carlos Eduardo Lins da Silva na Folha de 23 de abril, parecem incapazes de monitorar e colocar limites, talvez por serem cúmplices na idealização da violência. Somos todos (pais e filhos) vítimas de uma equação freudiana primária: a sociedade pede repressão, nos conformamos, mas cada vez mais sonhamos com uma violência que nos outorgaria triunfos mais singulares e anti-sociais.
Mesmo nesse contexto, nos últimos três anos a violência nas escolas americanas diminuiu. Contando os 15 mortos de Littleton, o ano escolar 98-99, que acaba em junho, será menos violento do que os precedentes. De fato, aconteceu o seguinte: acalmou-se a violência nos guetos urbanos. Seja por maior controle social, seja por menor exclusão. E, por outro lado, há uma epidemia inesperada, insuficiente para alterar a curva, mas surpreendente - que interessa à juventude branca, de classe média, suburbana ou rural. Diminuiu a violência dos excluídos e eis que explode a violência dos incluídos.
O fenômeno interessa ao Brasil. Talvez não esteja diminuindo a violência nos morros. Mas há, sim, uma violência nova, de jovens de classe média e alta: gangues aparecem em lugares reservados às classes privilegiadas, condomínios fechados da Barra ou de Alphaville.
Parece estranho lamentar o destino dos filhos das classes privilegiadas. Mais fácil ironizar as escolhas trágicas entre BMW ou Mercedes. Que angústia, não é? Mas há mesmo uma angústia do adolescente de sorte. De que se trata então? É simples: um adolescente, na verdade, mesmo privilegiado, é sempre ameaçado de exclusão.
Os especialistas em marketing - motivados pela necessidade de captar a atenção dos jovens consumidores, um mercado de 130 bilhões de dólares por ano nos EUA -entendem bem os adolescentes de hoje. Assim, Irma Zandl, do Zandl Group, relata que um adolescente lhe disse que desejava um certo tipo de calça de brim "porque queria ser diferente, como todo mundo".
Não há como dizer melhor a extrema contradição entre a necessidade de se padronizar para pertencer a um grupo e o ideal básico em nossa cultura, se destacar como único.
Aliás, é nisso que consiste o indescritível (e intraduzível) ser "cool": ser único sendo como os outros. Essa é, de fato (sem ironia), a condição impossível de uma boa vida social adolescente -o jeito de ser alguém.
Facilmente vemos nossos filhos e filhas sofrerem na indecisão quanto à imagem que gostariam de compor: o atleta, o nerd, o mauricinho, o freak, o gótico etc. Podemos entender que, além dos modelos que mudam, a pergunta sem resposta fixa é: nesse catálogo, quem é "cool" hoje?
Os adolescentes de classe média vivem em um mundo onde responder a essa pergunta e conseguir participar do "cool" são condições mínimas de vida social.
Será que 12 jovens foram mortos porque dois outros não conseguiam ser "cool"?
É bem possível, pois quem não entra nos padrões do "cool"- por não conseguir achá-los ou por não caber no molde-, se não encontrar alguma outra forma suficiente de validação social (na família, por exemplo), pode muito bem sair atirando. Parafraseando Getúlio Vargas: sair da vida para entrar no filme.

E-mail: ccalligari@uol.com.br


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