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CONTARDO CALLIGARIS
Adolescente quer ser diferente como todo mundo
Os EUA estão de luto e em
choque pelas mortes em Littleton, Colorado. Sem contar os
feridos, são 12 jovens e um professor exterminados por dois
alunos um pouco mal-adaptados, que entraram no colégio
como Schwarzenegger no posto
de polícia do "Exterminador
do Futuro". Ou então como
Leonardo DiCaprio no "Diário
de um Adolescente".
DiCaprio, naquele filme, apenas sonhava com sua vingança
homicida. Eric Harris e Dylan
Klebold não se contentaram
com sonhos. Fizeram.
Muitos rapazes, aliás, confirmarão que o sonho é banal. Há
dias nos quais é bom se imaginar descendo sobre colegas e
professores como um anjo da
morte. "Doom", ou jogo parecido, pode acontecer na escola.
Realizar esse sonho é menos
banal. Ainda bem. Mas, desde
1997, em seis escolas americanas, oito adolescentes (um deles, na verdade, apenas uma
crianças de 11 anos) passaram
da telinha para a realidade.
Eric e Dylan foram os mais
cruentos. Também foram os
únicos que saíram de cena se
suicidando. Aparentemente,
quando deixaram a palavra ao
ódio e às armas, não acreditavam ter um futuro, nem queriam mais ter um presente.
Vivemos numa cultura onde
a violência, banida em princípio do convívio social, é, por
outro lado, constantemente
idealizada. A imprensa saqueou estatísticas da TV-Free
América (tvfa@essential.org);
por exemplo, o jovem americano médio vê televisão 1.500 horas por ano (e está na escola
900 horas). Aos 18 anos, terá
assistido a 16 mil assassinatos e
200 mil atos de violência. Isso
sem contar as horas passadas
no cinema, brincando com
"Duke Nukem", "Quake",
"Mortal Kombat", "Doom" etc.
Ou escutando Marilyn Manson, dark metal ou rap.
A isso acrescenta-se uma geração de pais que, como notava
Carlos Eduardo Lins da Silva
na Folha de 23 de abril, parecem incapazes de monitorar e
colocar limites, talvez por serem cúmplices na idealização
da violência. Somos todos (pais
e filhos) vítimas de uma equação freudiana primária: a sociedade pede repressão, nos
conformamos, mas cada vez
mais sonhamos com uma violência que nos outorgaria
triunfos mais singulares e anti-sociais.
Mesmo nesse contexto, nos
últimos três anos a violência
nas escolas americanas diminuiu. Contando os 15 mortos de
Littleton, o ano escolar 98-99,
que acaba em junho, será menos violento do que os precedentes. De fato, aconteceu o seguinte: acalmou-se a violência
nos guetos urbanos. Seja por
maior controle social, seja por
menor exclusão. E, por outro lado, há uma epidemia inesperada, insuficiente para alterar a
curva, mas surpreendente -
que interessa à juventude branca, de classe média, suburbana
ou rural. Diminuiu a violência
dos excluídos e eis que explode a
violência dos incluídos.
O fenômeno interessa ao Brasil. Talvez não esteja diminuindo a violência nos morros. Mas
há, sim, uma violência nova, de
jovens de classe média e alta:
gangues aparecem em lugares
reservados às classes privilegiadas, condomínios fechados da
Barra ou de Alphaville.
Parece estranho lamentar o
destino dos filhos das classes
privilegiadas. Mais fácil ironizar as escolhas trágicas entre
BMW ou Mercedes. Que angústia, não é? Mas há mesmo uma
angústia do adolescente de sorte. De que se trata então? É simples: um adolescente, na verdade, mesmo privilegiado, é sempre ameaçado de exclusão.
Os especialistas em marketing
- motivados pela necessidade
de captar a atenção dos jovens
consumidores, um mercado de
130 bilhões de dólares por ano
nos EUA -entendem bem os
adolescentes de hoje. Assim, Irma Zandl, do Zandl Group, relata que um adolescente lhe disse que desejava um certo tipo de
calça de brim "porque queria
ser diferente, como todo mundo".
Não há como dizer melhor a
extrema contradição entre a necessidade de se padronizar para
pertencer a um grupo e o ideal
básico em nossa cultura, se destacar como único.
Aliás, é nisso que consiste o indescritível (e intraduzível) ser
"cool": ser único sendo como os
outros. Essa é, de fato (sem ironia), a condição impossível de
uma boa vida social adolescente -o jeito de ser alguém.
Facilmente vemos nossos filhos e filhas sofrerem na indecisão quanto à imagem que gostariam de compor: o atleta, o
nerd, o mauricinho, o freak, o
gótico etc. Podemos entender
que, além dos modelos que mudam, a pergunta sem resposta
fixa é: nesse catálogo, quem é
"cool" hoje?
Os adolescentes de classe média vivem em um mundo onde
responder a essa pergunta e
conseguir participar do "cool"
são condições mínimas de vida
social.
Será que 12 jovens foram mortos porque dois outros não conseguiam ser "cool"?
É bem possível, pois quem não
entra nos padrões do "cool"-
por não conseguir achá-los ou
por não caber no molde-, se
não encontrar alguma outra
forma suficiente de validação
social (na família, por exemplo), pode muito bem sair atirando. Parafraseando Getúlio
Vargas: sair da vida para entrar
no filme.
E-mail: ccalligari@uol.com.br
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