São Paulo, Quinta-feira, 29 de Abril de 1999
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CULTURA DO TERROR
Especialistas discordam que filmes e músicas violentas possam estimular mortes como as do Colorado
"Marilyn Manson não é desculpa para crime"

France Presse - 22.abr.99
Estudante da Columbine, onde aconteceram os crimes, em um campo de Littleton após ir a cerimônia às vítimas


ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

No último dia 20, Eric Harris, 18, e Dylan Klebold, 17, assassinaram com rifles e bombas 12 estudantes e um professor na escola Columbine, no Colorado (EUA).
De classe média, gostavam do rock star Marilyn Manson, da banda germânica KMFDM e do filme "Diário de um Adolescente", em que Leonardo DiCaprio interpreta um viciado em drogas, além de serem fãs de games violentos como "Doom" e jogos de RPG.
E daí? O que isso tem a ver com um dos mais sangrentos atentados em escolas norte-americanas nos últimos anos? Um filme violento pode realmente causar desgraças como essa? Em que medida?
Wellington Webb, prefeito de Denver, cidade próxima ao subúrbio de Littleton, onde ocorreu o massacre, acredita, por exemplo, que Manson está envolvido, sim, nessa "destrutiva e mortal cultura" e pediu que o show do cantor, programado para esta semana no local, fosse cancelado (leia ao lado).
Para discutir o assunto, a Folha entrevistou psicólogos, psicanalistas, psiquiatras e pedagogos. Em geral, todos são unânimes em afirmar que não há cabimento, nesse caso, pôr a culpa na cultura, mesmo que de massa. Mas que é preciso ter mais responsabilidade em relação a jovens e crianças.
Ex-estudante de uma escola secundária norte-americana, a psicóloga Nancy Cardia, do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), afirma ser chocante a competição entre estudantes nos Estados Unidos.
"Qual a linguagem que sobra em meio a tanta pressão? A violência. Ora, se você tem o poder da grana, eu tenho o da morte." Para ela, afirmar que um filme causa comportamentos assim é "arrumar um bode expiatório fácil demais".
Para o psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, vice-presidente da Associação Paulista de Medicina, tudo está ligado a uma propensão à agressividade. "Quantas milhares de pessoas ouviram Marilyn Manson? Se não fosse ele, culpariam uma formiga, tanto faz. Alguns têm uma predisposição biopsicosociocultural à violência."
Segundo ele, não adianta censurar ou regular o que se transmite a crianças e jovens. "A mídia é culpada? Ora, se você não gosta, que mude de canal..."
Mais próximo geograficamente à tragédia, o psicanalista, psiquiatra e professor norte-americano de psiquiatria da Universidade da Califórnia James Grotstein é contrário a essa opinião. Foi o único dos entrevistados a defender abertamente que a mídia passe por um processo seletivo.
"As crianças são seriamente afetadas por estímulos agressivos da mídia. Ser capaz de matar em jogos de videogame, por exemplo, dá uma sádica sensação de realização. E, muitas vezes, a fronteira entre fantasia e realidade se dissolve", disse à Folha por e-mail.
Já Francisco Assumpção, diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital de Clínicas (SP), afirma ser simplista a visão de que um desenho ou roqueiro influenciem jovens a matar. "Isso camufla um problema maior. Crucificar um cantor ou HQ, não dá. Como criticar um filme num país onde armas são parte da cultura, como os EUA?"
Mesclando as duas visões acima, a professora da Faculdade de Educação da USP e da Universidade Mackenzie Roseli Fischmann acredita que a produção cultural e a sociedade se realimentam mutuamente: "A representação cultural tem a ver com o meio em que vivemos. O ponto crucial é ter consciência dessa relação".
De acordo com ela, é preciso que se discuta o papel e as influências da cultura, "valorizando, sem pieguices, o ser humano e mostrando que não é permitido a ninguém, em hipótese alguma, ferir o outro".


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