São Paulo, terça-feira, 29 de maio de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Na pracinha


O Rio é uma pracinha de microscópica cidade do interior. Ou cidadezinha cenográfica de novela das 8

DEPOIS DE um mês implicando com os hábitos dos berlinenses, os dos cariocas até me parecem muito normais, exceto um: a vigilância constante sobre a vida alheia.
Na verdade, talvez essa mania seja universal, talvez ela exista em qualquer cidade onde seres humanos ainda se interessam, de alguma maneira, uns pelos outros. Ou talvez seja coisa de cidade pequena.
Com exceção dos gringos e da população de rua, cujo estoque é mais rapidamente renovável do que o dos chamados moradores propriamente ditos, pode-se afirmar com toda a certeza que o Rio de Janeiro -especialmente sua zona sul- é uma pracinha de microscópica cidade do interior. Ou cidadezinha cenográfica de novela das oito.
Quem não mora no Rio de Janeiro pode considerar a afirmativa um tanto exagerada, uma graça feita aqui para encher jornal.
Mas quem circula todos os dias nesta praça, desfilando suas roupas de missa pra lá e pra cá, sabe que as mesmas caras de sempre se encontram e reencontram "inesperadamente" a certa altura de cada volta, feito em trama televisiva do Manoel Carlos em que todos se cruzam, todos se topam.
E o leitor precisa ser alertado a respeito das marotices do convívio carioca. Afinal, mais cedo ou mais tarde poderá acabar dando suas voltinhas em nosso pequeno povoado.
Experimente trair no Rio de Janeiro. Pode até não resultar em barraco; só que, de qualquer maneira, a parte lesada ficará sabendo.
Os casais de hoje em dia querem se mostrar bem analisados, suas atividades extracurriculares compreendidas enquanto necessidades fisiológicas inevitáveis da espécie. Mas a questão aqui não é verificar se esse mito científico dos desencanados pode ser vencido pela fofoca.
O negócio é que é muito fácil ser pego na pracinha: basta que uma das "mesmas-caras-de-sempre" veja você em ação.
O que também é moleza, em se tratando desta pracinha.
Digamos que você, pessoa comprometida, se agarre por acaso a outro alguém (entidade losermânica muito empregada em versos de Marcelo Camelo) durante alcoólico e ritmado ensaio de um entre as centenas de blocos carnavalescos existentes na cidade.
Ou num barzinho na Lapa, na cavernosa Fosfobox em Copa, numa tarde de sábado no posto 9.
Pode apostar que um ou vários dentre as seguintes categorias de potenciais fofoqueiros estarão lá, aptos a verificar a ficada: colega de trabalho e/ou colega de faculdade da parte lesada, vizinho, amigo comum do casal, membro da família da parte lesada, amigos da família da parte lesada, um invejoso ou uma invejosa que, como nos folhetins do Maneco, tem grande interesse em ver a separação do casal.
A partir daí a coisa se espalha, por meio de testemunhos equivalentes ao muito provinciano "Vi os dois aos beijos no murinho dos fundos da igreja!".
Do pipoqueiro ao padre, se você esteve aqui, todo o pequeno mundinho carioca sabe o que você fez no verão passado.


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