|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CECILIA GIANNETTI
Na pracinha
O Rio é uma pracinha de microscópica cidade do interior. Ou cidadezinha cenográfica de novela das 8
|
DEPOIS DE um mês implicando
com os hábitos dos berlinenses, os dos cariocas até me
parecem muito normais, exceto um:
a vigilância constante sobre a vida
alheia.
Na verdade, talvez essa mania seja
universal, talvez ela exista em qualquer cidade onde seres humanos
ainda se interessam, de alguma maneira, uns pelos outros. Ou talvez seja coisa de cidade pequena.
Com exceção dos gringos e da população de rua, cujo estoque é mais
rapidamente renovável do que o dos
chamados moradores propriamente ditos, pode-se afirmar com toda a
certeza que o Rio de Janeiro -especialmente sua zona sul- é uma pracinha de microscópica cidade do interior. Ou cidadezinha cenográfica
de novela das oito.
Quem não mora no Rio de Janeiro
pode considerar a afirmativa um
tanto exagerada, uma graça feita
aqui para encher jornal.
Mas quem circula todos os dias
nesta praça, desfilando suas roupas
de missa pra lá e pra cá, sabe que as
mesmas caras de sempre se encontram e reencontram "inesperadamente" a certa altura de cada volta,
feito em trama televisiva do Manoel
Carlos em que todos se cruzam, todos se topam.
E o leitor precisa ser alertado a
respeito das marotices do convívio
carioca. Afinal, mais cedo ou mais
tarde poderá acabar dando suas voltinhas em nosso pequeno povoado.
Experimente trair no Rio de Janeiro. Pode até não resultar em barraco; só que, de qualquer maneira, a
parte lesada ficará sabendo.
Os casais de hoje em dia querem
se mostrar bem analisados, suas atividades extracurriculares compreendidas enquanto necessidades
fisiológicas inevitáveis da espécie.
Mas a questão aqui não é verificar se
esse mito científico dos desencanados pode ser vencido pela fofoca.
O negócio é que é muito fácil ser
pego na pracinha: basta que uma das
"mesmas-caras-de-sempre" veja
você em ação.
O que também é moleza, em se
tratando desta pracinha.
Digamos que você, pessoa comprometida, se agarre por acaso a outro alguém (entidade losermânica
muito empregada em versos de
Marcelo Camelo) durante alcoólico
e ritmado ensaio de um entre as centenas de blocos carnavalescos existentes na cidade.
Ou num barzinho na Lapa, na cavernosa Fosfobox em Copa, numa
tarde de sábado no posto 9.
Pode apostar que um ou vários
dentre as seguintes categorias de
potenciais fofoqueiros estarão lá,
aptos a verificar a ficada: colega de
trabalho e/ou colega de faculdade da
parte lesada, vizinho, amigo comum
do casal, membro da família da parte
lesada, amigos da família da parte lesada, um invejoso ou uma invejosa
que, como nos folhetins do Maneco,
tem grande interesse em ver a separação do casal.
A partir daí a coisa se espalha, por
meio de testemunhos equivalentes
ao muito provinciano "Vi os dois aos
beijos no murinho dos fundos da
igreja!".
Do pipoqueiro ao padre, se você
esteve aqui, todo o pequeno mundinho carioca sabe o que você fez no
verão passado.
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Acervo de Smetak ganha restauro Índice
|