São Paulo, sexta, 29 de maio de 1998

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"Brasil precisa de Policarpos', afirma diretor

da enviada ao Rio de Janeiro

"Policarpo Quaresma - Herói do Brasil" é o ponto alto da obra de um diretor experiente. Paulo Thiago, 52, mineiro de nascimento e residente no Rio há mais de 30 anos, possui um currículo de oito longas-metragens, tendo mantido a produção mesmo em épocas de baixa do cinema brasileiro ("Jorge, um Brasileiro", 89, "Vagas para Moças de Fino Trato", 93).
"Policarpo" é sua tentativa mais direta de contato com o grande público, um trabalho em que o Brasil se torna o tema central.
Em entrevista à Folha, ele confessa que seu interesse pelos problemas brasileiros data de sua formação como cineasta. "Éramos uma geração apaixonada por cinema desde cedo. Mas descobrimos que era possível fazer cinema no Brasil diante da explosão do cinema novo e com a geração que veio logo em seguida, Joaquim Pedro, Roberto Santos, Person. Eram obras que revelavam o país."
Essa "revelação" do Brasil foi justamente o que o atraiu para a filmagem do romance de Lima Barreto. "Ao reler "Policarpo', achei que o livro era um instrumento para uma nova compreensão do país. Há a possibilidade de o Brasil se encontrar e se definir. E, na medida em que esse personagem sério, idealista, é trabalhado com humor, está-se discutindo a ambiguidade do brasileiro, que mistura o drama com o riso."
Paulo Thiago discorda de que temas sérios como o patriotismo trágico do romance de Lima Barreto tenham necessariamente de ser tratados com seriedade.
"Seriedade é uma tradição que vem do cinema novo. O único cineasta que conseguiu dar a volta por cima foi o Joaquim Pedro de Andrade, em "Macunaíma' e "Guerra Conjugal', no qual fala coisas terríveis com um humor cáustico poderoso. Para encontrar esse tom, tive uma relação tormentosa com o roteiro original."
De fato, o roteiro, de autoria do dramaturgo e romancista Alcione Araújo, é o elemento mais ousado e também mais polêmico do filme. "Quando trabalho os roteiros com Alcione, ocorrem grandes discussões", diz o diretor, que trabalhou por meses sobre as transformações introduzidas por Araújo na adaptação do romance.
A principal delas foi a erotização de Policarpo, que tem um encontro amoroso com Ismênia -no romance, uma moça que só pensa em se casar e afinal morre virgem.
Outra alteração promovida pelo roteiro foi a eliminação de vários personagens negros, que marcavam no romance o triste legado da escravidão. Para Paulo Thiago, isso se explica exatamente pela importância do problema.
"A questão negra na obra do Lima Barreto é muito profunda e vasta. Ele tem um romance só sobre isso, "Clara dos Anjos'. Se eu fosse entrar nesse tema, teria de fazer um filme dentro do filme."
De resto, ao fazer cinema -acrescenta Thiago- é preciso eliminar uma série de detalhes que não fazem parte da trama central.
"Lima Barreto, por ser um escritor do realismo brasileiro, tem a necessidade de traçar um panorama da sociedade. Então, muitas vezes ele se perde em descrições. Se o filme caminhasse por aí, perderia o núcleo dramático do Policarpo e o tom de fábula."
Questionado sobre a importância de contar, no Brasil de hoje, a história de um personagem que dá a vida pelo país, o cineasta não hesita: "Temos muitos Policarpos espalhados por aí. Darcy Ribeiro era um Policarpo, no sentido maior. Betinho também. São sonhadores, pessoas que querem o melhor para o Brasil e chegam a ser patéticas em suas propostas, muitas vezes absurdas. O Brasil precisa de mais Policarpos". (LN)



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