São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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CRÍTICA

Autor se entrega ao livro com disposição punk

DA REDAÇÃO

Uma pequena Alice escapa de casa e mergulha em um outro mundo. Desta vez, não no país das maravilhas nem através do espelho, e, sim, num território de horrores, movido a pornografia letal e no qual a rainha de copas é substituída por Eva K., mãe, linda, loura, gélida e serial killer.
"A Sereia Vermelha", estréia de Maurice G. Dantec na ficção e primeiro livro do autor publicado no Brasil, não tenta escapar das convenções da chamada literatura de entretenimento. É livro movido a adrenalina, daqueles que a gente abre para espantar a insônia e passa o resto da noite em claro.
Ao contrário de seu contemporâneo e compatriota Michel Houellebecq, Dantec não se compraz no comentário sociopolítico. Lança seus personagens nos meandros da atualidade histórica como se fossem dados e cruza os dedos para que eles não saiam muito chamuscados desse inferno já em chamas.
A admiração do autor pelos filmes de John Woo é explícita na fuga de Alice através dos horrores da Europa, mas não é só. A deriva Ballard de seu texto é que torna essa estréia mais do que estimulante, promissora.
Como Ballard, legítimo herdeiro futurista de um certo marquês de Sade, a perversão serve de pedra de toque para a ficção, que vem entupida de mensagens subliminares. Deus está morto, o pai é um eterno ausente, a lei não passa de formalidade e qualquer ultrapassagem não só é admitida como estimulada.
Eva K. é mulher bifronte, ao mesmo tempo executiva reverenciada no "grand-monde" e produtora e protagonista de snuff movies (espécie de pornografia extrema na qual em vez de sexo explícito se oferecem assassinatos explícitos).
Do outro lado do crime, Hugo Vornelius Toorop, um mercenário que atuou de modo obscuro na Guerra dos Balcãs, aguarda em Amsterdã instruções para novas missões quando os cabelos louros dessa nova Alice cruzam seu caminho.
Mistura de Chapeleiro Louco e coelho, Hugo é menos um herói que testemunha impávida de catástrofes incessantes. O apocalipse bate à porta, e a Europa, saturada de humanismo, convida-o amigavelmente a entrar. E ainda estávamos em um longínquo 1993.
Dantec se meteu nessa aventura literária com a mesma disposição que um punk empunha seu instrumento musical. Apesar do barulho que faz incomodar muitos, é impossível ignorar sua delirante lucidez. (CÁSSIO STARLING CARLOS)


A Sereia Vermelha    
Autor: Maurice G. Dantec
Tradutora: Vera Lucia dos Reis
Editora: Objetiva




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